[RP Aberta] Blood Draws Blood.

Minha voz surgiu primeiro como uma melodia fraca e solitária. Sentada no pátio central de Highgarden, eu tinha dezenas das crianças da criadagem ao meu redor. Havia sido uma animada manhã de leitura, e a História dos Sete Reinos ainda repousava em meu colo, sobre o vestido fino de tecido verde relva. Tão verde quanto os estandartes de minha família... Meus olhos ardiam um pouco, contudo. A noite anterior fora tensa, pois eu dormira em segredo ao lado de Peter, meu prometido. Apesar do que ele poderia ter feito, Peter Baratheon respeitara minha virtude, mas fora difícil permanecer longe de seus braços e evitar seus beijos. Mal havíamos dormido, com tanto para conversar e tanto que não sabíamos sobre o outro. Certamente não era usual ou recomendável, mas fora um momento que eu jamais esqueceria. Ainda assim, nenhuma das minhas cúmplices, as criadas, ousara comentar sobre meu desaparecimento noturno. Haviam preparado o vestido e o banho, para que eu estivesse entre as crianças como eu fizera todos os dias dos últimos meses, desde que eu fora para Porto Real e presenciara a verdadeira pobreza. Mesmo os menos afortunados da Campina tinham sorte, ao menos no quesito alimentar. A realidade da Baixada das Pulgas ardia em meus sonhos, e provavelmente levariam anos até que eu esquecesse do cheiro. Mas eu não queria esquecer. Minha mão deslizou pelos cabelos da menina ao meu lado, que parecia observar minhas roupas como se eu fosse uma flor. Ela olhava de perto para as pedras de opala no vestido, que imitavam pequenas rosas douradas.

“Stay the swords
And stay the arrows,
Let them know a better day”

A guerra também não era algo indiferente, para mim. Eu odiava saber que as pessoas comuns, que guardas que eu conhecia desde que havia nascido, ou crianças que eu nunca chegaria a realmente conhecer, é quem morreriam primeiro. Com melancolia, eu pensava constantemente no frio do inverno que eu presenciara na infância, e temia que o próximo fosse repleto de poder, sem ninguém para combate-lo. Mais que árvores mortas ou alianças destroçadas para sempre. Eu temia que nunca mais a Campina fosse a mesma. Mas agora eu não poderia recuar. Não havia nada que eu pudesse de fato fazer, mesmo que desejasse desassociar minha família dos Baratheon. O que não era o caso, pois eu me apaixonara por Peter. O Pai e a Donzela haviam abençoado nossa união, ainda que meu noivo acreditasse no Senhor da Luz, como meu pai. Meu cantar era um pedido por tempos melhores, por misericórdia. Mas também por esperança. Não demorou muito até que as crianças me acompanhassem. Elas conheciam esta canção como todos nós a aprendíamos. Ao menos aqueles de nós com mães religiosas...

“Gentle Mother,
Strength of women,
Help our daughters
Trough this fray.”

“Soothe the wrath,
And tame the fury,
Teach us all a kinder way.”

- A Mãe é misericordiosa, crianças. – Murmurei, controlando a emoção que crescia em meu peito ao lembrar de quantas vezes mamãe cantara aquela oração em meu quarto. Sienna nunca ouvia até o fim. Sempre dormia mais rápido. – Mesmo que outros deuses governem nosso lar, ou que nunca mais lembremos dela. A Mãe nunca esquece seus filhinhos.

- Mychella, você vai esquecer de nós quando for para Ponta Tempestade? Minha mãe disse que nunca mais a veremos de novo, depois que você casar com o Baratheon. – Eu conhecia o menino de cabelos gordurosos e lisos, com sardas no nariz. Ele era mais alto do que deveria para a idade, mas não levava o menor jeito para guarda. Seria um cuidador de cavalos como o pai. O alto e bondoso Molls.

- Isto não é verdade. Nunca esquecerei de vocês. Nem deixarei de visitar meu pai e a nova senhora Tyrell. – Em breve a Mulher Vermelha me daria irmão, e seria melhor aceitar aquela realidade enquanto ela ainda não era um fato. Aconteceria, pois tanto ela quanto meu pai, ainda eram jovens. – Eu serei para sempre uma Tyrell. E Hightower também, como minha mãe. Eu visitarei a todos. Prometo.

- Diga que vai nos contar a Conquista de Aegon outra vez, antes de partir. – Pediu Claryssa, fazendo-me sorrir.

- Crianças e seu fascínio por dragões... – Lembrei-me da sombra negra que se ergueu nos céus de Porto Real no Torneio do Rei. Do quão exposta me senti, com uma fera alada sobrevoando minha liteira que corria desesperadamente de volta para a Fortaleza Vermelha. De como o Septo de Baelor fora destruído com o incêndio, e de como Viserion fora destroçado pelo dragão selvagem. – Eles não são como nas lendas, quando se vê de perto.

- Você viu os dragões do rei? – Não identifiquei a quem a voz pertencia, mas sorri.

- O rei só tem um dragão. Rhaegal. Vhagar não possui um cavaleiro, e Príncipe Eragon perdeu Viserion. Drogon e Meraxes vivem em Pedra do Dragão com a princesa Serra. Dizem que os dela são os maiores e mais velozes. Eles não estavam em Porto Real, quando fui até lá. – Olhei curiosa quando um guarda se aproximou de nossa roda de leitura. Ele hesitava, aguardando. – Diga, Olaf.

- Vosso tio e uma comitiva Hightower acabam de serem anunciados, m’lady. – Sorri, erguendo-me e tomando Claryssa pela mão. Não via tipo Osyl há anos, nem mesmo no funeral de mamãe ele comparecera. Corri com as crianças, que pareciam animadas com a minha felicidade.

Ergui um pouco meu vestido, pois o tecido mole enroscava-se em minhas pernas e faziam-me caminhar como uma peregrina atolada em areia movediça. Um tanto sem fôlego, parei a centímetros de tio Osyl, envolvendo-o com meus braços nus. Meu xale cor de oliva voou para longe, e Molls o agarrou. Titio estava sorrindo, e seus olhos pareciam com os dela. O abracei apertado, fechando os olhos para sentir melhor a presença de minha mãe. Então o beijei na face, deslizando a mão por sua barba por fazer. Era como se o tempo nunca tivesse passado.

- Eu não poderia estar mais feliz, Tio! Em grande parte, por finalmente reencontrá-lo, depois de tantos anos! Mamãe ficaria tão feliz por vê-lo tão forte e belo! – Ronronei, contendo a emoção. – Oh, tio Osyl, reconheço este olhar preocupado. Mamãe sempre o trazia quando algo a incomodava. É a aliança, não é? Saiba que estou apaixonada, e não há nada que eu possa fazer. Mas meu prometido não deseja a guerra, e juntos impediremos que papai e Lord Devan desafiem a coroa. Pelas crianças, pela Campina. – Meu raciocínio foi cortado quando meus olhos marejaram. – Por mamãe. – Afaguei as mãos de tio Osyl, sorrindo calorosamente. – Agora venha, tenho seus aposentos prontos, titio. Ficam na Ala Oeste, e o senhor terá um saguão inteiro para sua comitiva. – Ainda o olhei profundamente, mais uma vez. – Sei que o senhor deseja o melhor para mim. Por isso, acredite quando digo que Peter será um marido leal aos meus interesses. Eu não o aceitaria se não fosse assim.

Ainda de mãos dadas com tio Osyl, recebi minha echarpe de Molls, acenando para ele e as outras crianças enquanto me afastava para o interior do castelo. Eles acenaram de volta por breves instantes, antes de espalharem-se novamente por toda a parte, correndo de volta aos seus afazeres. Troquei um olhar animado com tio Osyl, sentindo meu cabelo sacudir enquanto marchava para mostrar-lhe seu dormitório. Era bom tê-lo ali, para lembrar-me de minha outra família. Para lembrar-me que ela realmente havia existido. Ainda que hoje fosse apenas lindas lembranças e um memorial de pedra no jardim vivo de Highgarden. Margareth Tyrell vivia através de mim, e de Osyl também. Eu só imaginava o que ela diria sobre meu casamento, se pudesse opinar naquele momento...

Participação Encerrada.