[RP - FECHADA] The Truth in the Fire

O rosto de Gregor parecia parcialmente enrubescido enquanto tentávamos nos concentrar na tarefa à nossa frente. O Meistre de Jardim de Cima conseguira um elo de ouro velho na Cidadela, garantindo-o como um herbalista habilidoso. Infelizmente, mesmo seus conhecimentos fornecidos pela maior biblioteca do mundo civilizado, não possuía uma série de fatores necessários para a total compreensão do que se passa entre as essências, aromas e infusões apresentadas por mim, em seu escritório. O primeiro deles, era a função sobrenatural que as ervas tinham. Ao trazerem consigo a essência da vida com que R’hllor move a existência, cada uma delas mantinha trancada em seus caules e folhas uma ordem específica, uma ordem da criação. O Coração Flamejante as dotava de matéria e coloração, de sabor e compleição. E como suas artesãs, as sacerdotisas vermelhas teciam tramas e desconstruíam aqueles elementos, para a realização de fins materiais. Ou talvez espirituais, para combater maldições e bloquear encantamentos.

- A sálvia possui propriedades medicinais, mas não é esta a sua principal função. Além de curar o sistema nervoso e servir de alívio para vítimas do sangue de basilisco, ela também pode proteger um corpo de influências mentais. Como ataques de um umbromante ou a invasão de um warg. – Enquanto murmurava minha explicação, comecei a trançar três ramos secos de sálvia, que já perdiam o seu viço. Estas não serviriam mais para chá, mas ainda fariam um defumador potente. – Para espalhar as propriedades de um material ordinário, nós o consagramos com preces e o imbuímos de magia. A energia vital de um mago alimenta a chama etérea e ativa os efeitos espirituais do componente herbalístico. Dessa forma, podemos produzir ilusões e prodígios...

- Impressionante, Lady Zakintia. Na Cidadela nós consideramos apenas os aspectos práticos dos materiais de estudo. Pelos Arqui-Meistres, a magia teria sido extinta de Westeros há muitos anos. Este campo sempre me provocou curiosidade, no entanto. – Gregor tomou uma das tranças entre os dedos. Sorrindo, levantei-me da mesa de trabalho e virei na direção dos utensílios sobre uma mesa de três pés, próxima à lareira.

Curvando-me com cuidado, apanhei entre as mãos o braseiro sagrado que eu mandara trazer dos aposentos de Aspen. O objeto de devoção de meu noivo era ainda mais suntuoso com o meio. Veios em formas de chamas e gavinhas de rosas espalhavam-se através do metal de aço esmaltado. Pétalas de rosas e flores inteiras eram esculpidas para formar uma linda e exótica dança entre a purificação destrutiva das labaredas e a fragilidade poética das rosas. Depositei o objeto sobre o tablado de madeira, olhando para Gregor em seguida. Ele entregou-me a sálvia e então passei a preparar a defumação. Tomando o pequeno frasco de cobre onde o óleo sagrado era depositado, despejei o conteúdo no braseiro e estendi minhas mãos sobre sua superfície. Após concentrar-me, imaginei o coração de fogo a pulsar em meu próprio peito, expandindo seu calor até a ponta dos meus dedos. Podia sentir a ordem divina fluindo através de mim, concedendo meu desejo. A sálvia estava consagrada.

- Agora, dê vida às chamas. – Pedi, indicando que Gregor acendesse o objeto. Ele assentiu extremamente curioso, tilintando sua corrente até a lareira, de onde trouxe a trança de ervas com a ponta fumegando. Ele encostou a ponta incandescente no óleo, e as chamas subiram, ardendo ao consumirem a sálvia, que levantava uma fumaça sobrenatural a preencher todo o salão. Toquei um pequeno pote de mel de abelhas, levando o dedo à boca para experimentar sua doçura. Então despejei o conteúdo sobre as chamas, que refulgiram em um tom forte de amarelo puro, para então encher o ar com o odor agradável e revigorante de mel e sálvia. – A fumaça será capaz de espantar o odor de locais abafados, conferindo uma nova vida à sua sala. – Comentei, sorrindo. – Aqui, uma aura de boa energia será formada, impedindo que perturbações mentais atrapalhem nossas conversas e atividades.

- É bastante agradável, de fato. Não estou habituado à fumaça, mas creio que não será difícil me acostumar. – Gregor parecia um tanto nervoso. – Senhora... Poderia observar as chamas para mim? Sei que um Meistre não deveria pedir tais coisas, mas a lógica e o bom senso nem sempre são o que parecem ser, como m’lady mesma já disse.

- É claro que posso, Gregor. – Sorri, fixando meus olhos nas chamas logo após desviá-los de seu rosto. – O fogo não mente, Gregor. Ele me mostra sua infância, e a morte que lhe roubou de sua família. Você não pertencia mais à sua Casa. Não depois do que fez, e do que seus atos poderiam provocar. Sua corrente é sua máscara, mas também sua proteção. Você nunca mais poderá voltar à Dorne, se quiser viver até ter fios brancos em seus cabelos...

As palavras fluíam praticamente sem controle, tomando forma conforme eu as falava, e não antes. Era como sentir uma torrente atravessando o corpo, sob a forma líquida de uma cachoeira de energias obscuras. A sálvia envolvia os meus sentidos, tornando aquela sensação ainda mais agradável, sensação esta que lentamente espalhava-se de minha mente para minhas terminações nervosas e ossos, distribuindo prazer para cada canto de minha constituição física. Fechei os olhos por breves instantes avaliando aqueles indícios divinos e então foquei o rosto de Gregor, agora pálido de medo e totalmente desprovido de sangue. Com um sorriso maternal, respirei fundo e afastei o rosto das chamas.

- Não se preocupe. Seu segredo está seguro comigo. Nunca direi quem você realmente é, nem de onde veio. Ou o que fez. Desde que sua lealdade se faça presente, em nossa recente associação. – Frisei a palavra “lealdade”, espalmando as mãos sobre o tablado de madeira lisa. – Temos companhia. Por favor, abra a porta, sim?

Gregor assentiu com um sorriso desconfortável, dirigindo-se para a pequena escada de seu escritório e abrindo a passagem do ambiente soturno para Argus Tyrell, primo de Aspen. Analisando a aparência galante e um tanto amarga do rapaz, pude ler a revolta oculta em suas feições. Notei que ele parecia aspirar a sálvia com certa familiaridade, enquanto caminhava com decisão para o interior dos aposentos, deixando Gregor à sua margem. Acenei com a cabeça quando ele anunciou-se, sorrindo levemente. Os cabelos loiros escuros eram diferentes dos de Elliott Tyrell, mas segundo os sussurros que me haviam contado de suas origens, sua mãe era loira como uma Lannister. Após sua breve reverência, notei a hesitação em sua voz e percebi que ele me pediria algo. Ironicamente, talvez o mesmo que Gregor.

- Somos todos instrumentos do Senhor da Luz. De forma consciente ou não. Cada momento é como um recorte de sua vontade, ainda que por vezes os homens prefiram seguir os caminhos do Grande Outro. – Com um gesto, indiquei a mesa à minha frente. – Por favor, Lord Tyrell, sente-se. Farei o possível para ajudá-lo. – Olhei para Gregor, e o gesto fez com que meus cabelos caíssem sobre o rosto, levemente. – Por favor, Meistre Gregor, deixe-nos a sós. – Ele deixou seu escritório sem dizer mais nada, apenas concordando em submissão. Sabia que o pobre homem precisava de algum tempo para digerir o que havia sido dito pelo fogo. – Agora, sobre vosso pai, não preciso de meus poderes ou das dádivas de R’hllor para ajudá-lo. O Lord de Águas Claras anterior foi vítima de um infortúnio, de uma conspiração pelo Trono de Ferro. Os leões de Rochedo Casterly são os responsáveis por sua morte, e pela acusação de traição contra a rainha. Meus passarinhos cantaram canções sobre um jovem alto e loiro, que pagou um mercenário para incriminar Elliott e Megga. Aspen já está ciente disto, e pretende vingar o primo aliando-se aos Baratheon. O que já havia sido previsto pelo Senhor da Luz há muito tempo. Em breve, Fogo e Sangue também pintarão o céu da Fortaleza Vermelha, e será a hora propícia para a nova alvorada. – Olhei para as chamas, focalizando o movimento e a dança perversa que faziam. Como elementais de Asshai, suas formas ganharam o aspecto de duas mulheres, e uma águia pareceu romper tal desenho, amparada por um quarto crescente. – Arryn. Quando ouvir este nome, você estará mais perto daquela que lhe dará filhos contra a vontade de sua família. Um infortúnio os unirá, mas poderá separá-los para sempre, também. Tenha cuidado. – Suspirei, retornando ao plano físico. – Me perdoe, eu gostaria de ser mais clara. Mas apenas digo o que me é devido.

Com um olhar simpático, aguardei pela reação e pelas palavras do recente Lord, que parecia possuir o ímpeto dos jovens e uma arrogância digna de um nobre. O fato de ele estar ali, perante a mim e atento aos preceitos de R’hllor, apenas indicava a presença e o poder do Deus da Luz e da Sombra. E ainda que ele não acreditasse em minhas palavras, em breve perceberia que elas eram autênticas. Principalmente considerando o que eu pretendia fazer com a comitiva do Vale, que se aproximava da Campina. Era uma surpresa, no entanto, que o destino de Argus estivesse entrelaçado àquele ato. Desta forma, eu só podia ficar ainda mais curiosa para saber o que ocorreria, por fim.

Spoiler:

  Argus parecia extremamente impressionado pelas minhas palavras. Sua surpresa traduziu-se em fúria enquanto ele deixava minha sala com imponência. Impassível, observei enquanto o primo de Aspen disparava pelo corredor, agora certo de que seu pai fora assassinado de maneira covarde e desleal por conspirações Lannister. Conspirações que haviam derrubado a rainha Megga Baratheon, e com as quais eu contribuíra, ainda que a tivesse resgatado em seguida. Era esta afinal, a minha especialidade. Ferir e curar na mesma medida, como uma rosa que agracia com a beleza mas corta com os espinhos. Talvez eu pertencesse mais à família soberana da Campina, do que eu julgara antes. Uma estrangeira nascida escrava e odiada, agora uma das mulheres mais ameaçadoras dos Sete Reinos. E, embora o fardo daquele título me fosse desconfortável, não era exatamente incômodo. Não seria nunca mais. Com o pergaminho que me fora trazido em mãos, fiz um gesto para que Gregory sentasse ao meu lado. A penumbra ressoava o cântico de mil mulheres que haviam existido antes de mil. As velas ardiam com o sopro vital de mil homens que arderam pela glória de R’hllor. Antes mesmo que quebrar o selo de cera vermelha com a chama do Senhor da Luz, senti um arrepio percorrer a minha carne.

  Era uma visão de morte e pavor. De traição e intriga. Aquela carta era a verdade sobre aqueles que deveriam proteger a Campina. E, no entanto, trazia sussurros de guerra e rebelião. Delírios realistas de um sacerdote vermelho que testemunhara a queda dos Tyrell. Um agouro disposto a avisar-me, de que independentemente do quão verossímil fossem aquelas linhas, eu devia estar preparada para lutar por aqueles que eu amava. Enquanto Baratheon e Tyrell uniam-se contra o poderio Targaryen numa aliança fadada ao destino que eu previra, agora a própria Casa de meu futuro marido estava ameaçada. Mas Aspen não era o suficiente para lidar com aquela crise. Nem seus filhos, o Senhor da Chama e da Sombra bem o sabia. Não era sem propósito que aquela carta chegara até mim, e não a qualquer outro deles. Pois era tempo de reagir e preparar-me para o futuro. Tempo de convocar meus aliados mais ocultos, e lidar com as consequências do que eu teria de fazer para forjar tais alianças sangrentas. Era tempo de jogar novamente o jogo dos tronos, que eu aperfeiçoara com tanto cuidado. Era tempo de vencer ou morrer, e eu não estava pronta para o fim. Não com a criança que era gerada em minha barriga ainda por nascer. Um amor e um ódio que eu não conhecia criaram forma, como os homens de pedra da esquecida Valíria. Meu clamor de fúria ergueu-se como o pesar da Donzela Chorosa de Lys, e anunciava morte e vingança.

- Minha senhora, está pálida. – Gregory adiantou-se, delicadamente. – Asas escuras, notícias escuras... – Decretou, amuado. – Tempos negros se aproximam?

    Ele não estava errado. Um tempo obscuro viria, e eu teria de abrir mão de mim mesma, e de muito mais. E faria todo e cada sacrífico com júbilo. Pois as rosas Tyrell podiam ser douradas e delicadas. Mas era tempo de uma nova Senhora dos Espinhos governar a Campina...

RP Encerrada.