Quest narrada - O dia de amanhã

Cold...

O senhor de Vaufreixo trajava sua armadura leve sob algumas camadas de tecido bem abaixo do que era esperado para um lorde. Nenhum servo ou guarda podia ser visto ao redor dele, pois naquele momento ele não era Garad Ashford. Não era o guardião de sua família, o general de um enorme exército rebelde que ganhava cada vez mais força na Campina... Para falar a verdade, ele era um homem sem poder algum. Um mero cavaleiro andante à procura de um senhor capaz de pagar pelos seus serviços, e que para isso teria de demonstrar suas habilidades. Ainda que Serra não tivesse se oposto à rebelião, o rapaz não tinha a coragem de simplesmente aparecer diante dela sem qualquer disfarce.

Ainda assim, ele estava protegido. Seus homens estavam a alguns passos dele, bebendo e se divertindo enquanto também fingiam ser quem não eram. Se algo desse errado, estariam prontos para defendê-lo com suas vidas. Garad não imaginava que seria sua mente, e não seu corpo, a precisar de proteção naquele momento. Não estava pronto para nada do que ocorreria a seguir, isso era certo. Seu olhar encontrou-se com o de Layna, uma das únicas pessoas que o conheciam em todo aquele lugar, e uma das pessoas em quem o lorde mais confiava. O rapaz não a via desde o dia em que ela fora nomeada como a nova mestre dos sussurros, e sentiu o coração pular uma batida quando seus olhos se encontraram com os dela.

A mulher parecia surpresa, mas o Ashford já esperava encontra-la ali, e por isso apenas sorriu. Mais tarde a procuraria pessoalmente em seus aposentos, pois tinha grandes e prazerosos planos para compartilhar com a ruiva. Mas ali, apenas a troca de olhares e o sorriso poderiam ser compartilhados, afinal não podia ser visto com a sacerdotisa que anos antes era a mestre de espionagem em Vaufreixo. Os pensamentos foram deixados de lado quando o rapaz sentiu uma força desconhecida, mas ao mesmo tempo familiar, fazendo-o olhar para cima. Para uma grande tocha acesa, suas chamas iluminando o local com força e aquecendo ao coração do lorde disfarçado.

A sensação era como a de mergulhar. Garad sentiu sua consciência fluindo para um grande mergulho nas chamas do Senhor da Luz. Sentiu que perdia aos poucos o controle sobre si mesmo, e deixou que a mente escorregasse devagar para dentro dos domínios de R’hllor como já havia feito tantas vezes antes. Tudo ao seu redor ardia, mas ainda assim o rapaz não sentia nada além de conforto. As chamas não o machucariam, ele sabia disso. Logo as labaredas na qual o rapaz mergulhou começaram a se contorcer, erguer, tomar uma forma completamente diferente do local em que ele estava naquele momento, para que assim a visão pudesse começar.

E Garad sentiu frio. Há anos possuía a proteção de R’hllor, o calor que aquecia não apenas seu coração, como todo o seu corpo, mas ainda assim ele sentia frio naquele momento. O corpo tremia, e o rapaz sentia-se distante da presença do deus que o havia guiado até ali. Pela primeira vez em anos, ele sentia-se completamente sozinho. E então ele percebeu que não estava. Ao longe, e em uma quantidade que assustaria até mesmo Dorian Mormont, as orbes brilhavam para ele. Instintivamente, o rapaz sacou ambas as espadas de uma só vez, sentindo o toque gélido do aço ainda que suas luvas o protegessem. O senhor das chamas estava mostrando a ele os mortos erguidos uma vez mais.

Garad temia. Não queria lutar. Seu corpo o impulsionou para longe dali, afastando-o das muralhas pelas quais havia passado poucos dias antes. Nem mesmo Porto Real conseguiria resistir à fúria do inverno? O rapaz sentia-se lúcido como nunca antes em uma visão, o que o assustava ainda mais. O que deveria fazer ali era a pergunta que se fazia, porém sua mente assustada não conseguia achar uma resposta. Foi quando uma brisa quente no meio de todo aquele deserto gélido acalmou um pouco seu espírito, guiando seu olhar para um outro ponto, onde pôde ver uma figura vermelha afastando-se... Deveria segui-la? Considerando que as alternativas eram ficar ali para sempre ou ir até onde os mortos estavam, o rapaz decidiu ir atrás dela.

Com as armas erguidas e as palmas das mãos pressionando firme seus punhos, o senhor de Vaufreixo avançou cautelosamente. Tentava observar e sentir qualquer ameaça que se aproximasse dele em seu trajeto, pronto – ou quase – para revidar caso algo demonstrasse o menor sinal de hostilidade.

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Cold...

As espadas de Garad continuavam desembainhadas, prontas para devolver a morte àqueles que não deveriam ter voltado à vida, mas ele sabia que não era o bastante. Que ele não seria o bastante para aquilo ainda que fosse o mais forte e poderoso guerreiro de todos os tempos. Eram inimigos demais para que ele enfrentasse sozinho. Por isso percorria o caminho oposto, em meio às ruas fantasmagóricas de Porto Real, que fora da visão costumavam ser tão atoladas de gente que mal era possível andar sem esbarrar em alguém e era impossível ter uma conversa agradável no meio de tantas pessoas falando e gritando.

Naquele instante, o único som era o das janelas que batiam com o vento gélido e forte que as empurrava e agitava as vestes e cabelos do senhor de Vaufreixo. A temperatura era desesperadora. Fazia mais de três anos que o lorde era completamente incapaz de sentir o frio. Presenciá-lo daquela maneira... Em meio às chamas... Era perturbador. Porém, não tão perturbador como o que viria a seguir, no caminho do homem cidade adentro. Primeiramente, seu coração acelerou, ao ter o primeiro vislumbre da cena. Seu estômago embrulhou, mesmo que o lorde já tivesse presenciado situações muito parecidas com aquela. Nada o acostumaria àquilo.

Corpos. Amontoados em um padrão que lembrava muito o símbolo de um ritual. Quase como a situação que o rapaz havia presenciado tempos antes, em que uma garota havia sido desmembrada e remontada na forma de um símbolo de culto maegi à Cabra Negra. Porém, a pior parte foi olhar para cima, e ver de quem eram os corpos. Mesmo que o rapaz não se importasse com a maioria daquelas pessoas, ver rostos conhecidos piorava a situação. Poucos ali eram realmente queridos para ele, mas o embrulho apenas aumentou ao ver os rostos, mesmo de pessoas como Serra Targaryen e Duncan Mormont. Mas um, entre todos aqueles corpos, realmente abalou ao lorde.

Nem mesmo estava completo. No chão ele pôde ver o corpo, incompleto, usando o vestido que ela mesma havia costurado em sua frente, com mãos tão delicadas quanto a própria personalidade da moça doce e gentil. No centro do símbolo, cravada em uma estaca de gelo, a cabeça de sua esposa o encarava. Os fios de mel já não tinham mais cor em meio àquela visão gélida, e o rosto morto da dama fez com que ele caísse para trás, chocando-se com o chão. Tudo em seu corpo fazia com que ele quisesse desviar a cabeça e parar de olhar, mas estava completamente travado ali, com seu olhar focado nas íris sem vida de Alannys.

Ele teria ficado ali o dia inteiro. Talvez até mais tempo, observando o rosto da mãe de seu filho preso a uma estaca, e sentindo o corpo tremer completamente, não apenas do frio. A única coisa que o tirou dali e o salvou foi, ironicamente, a que queria matá-lo. O homem ouviu o som dos mortos se aproximando. O som de gelo arranhado que indicava que os Caminhantes Brancos estavam perto. Garad não tinha qualquer chance de lutar contra um deles naquele estado, e se esconder era quase como pedir para ser morto, pois uma hora seria encontrado. Sua alternativa foi fugir, na direção oposta à do som que ouvia.

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