[QUEST OP] Rest In Peace

Algumas situações me fazem questionar o que estava fazendo de minha vida. Não que eu não goste do que faço. Muito pelo contrário, sinto certo prazer ao ver meu plano meticulosamente pensado dando certo, a vítima morrendo de tanto vomitar ou engolindo o próprio sangue ao ter sua garganta cortada. Pensar como fazer com que a pessoa fique sabendo das palavras "lamento tanto" era um bônus divertido. Gravar no fundo da taça, onde apenas leria após terminar de tomar o líquido envenenado. Capturar um corvo, ensiná-lo a falar as palavras e enviá-lo para que chegasse pouco antes do alvo morrer. Haviam muitas formas de fazer isso, uma melhor do que a outra. Além disso, isso tudo me dá bastante dinheiro. Sempre deu certo, em meus vinte e seis anos de vida. Nenhuma falha, era um homem pesaroso bastante paciente e eficiente.

Entretanto estava questionando minha vida naquele quarto em Lys. Havia aceitado um contrato muito arriscado que envolvia enfrentar os interesses dos Imortais de Qarth. O serviço havia dado certo, como sempre, entretanto fui surpreendido ao chegar no abrigo. O local onde estava fora incendiado, não havia nada a não ser os restos mortais da estrutura e um bilhete com o símbolo dos Imortais:


Ao ler aquilo, me assustei. Meu disfarce havia sido descoberto. Junto com o abrigo, todo meu dinheiro e venenos guardados haviam sido perdidos. Tinha apenas uma adaga enferrujada que levara comigo. Não fiquei nem mais um segundo no local, sabendo que representava um risco. Misturei-me as sombras da noite e tratei de sair de Qarth o mais rápido possível em um navio, ficando camuflado entre os escravos. Durante a viagem, a depressão baixou sobre mim. Havia sido treinado durante anos para ser o assassino perfeito. Agora estava reduzido a nada, a menos do que um assassino iniciante. Estava marcado de morte pelos Imortais, seria difícil fugir de suas garras. Provavelmente teria que ir a Westeros, mas por enquanto não havia condição de conseguir isso no momento. Os dias no navio eram de muito sofrimento, afinal era tratado como um escravo. Muita fome, muita sede, mas ainda assim estava vivo.

Isso havia me levado aonde estava. A fabulosa cidade de Lys. Assim que cheguei no porto, fugi do navio. Não aguentava mais aquilo. Senti o cheiro da cidade, sorrindo. Ainda lembrava com um pouco de nostalgia da minha noite com Flor de Lys, muitos anos antes, em uma das casas de prazer da cidade. Fora uma das melhores da minha vida, cada moeda gasta havia valido a pena. O sorriso esmoreceu pouco tempo depois de surgir. Agora os tempos eram outros. Estava escondido, reduzido a miséria. Não tinha nada além de uma adaga enferrujada. Conseguira encontrar uma pensão no meio da cidade para usar de abrigo. Havia convencido o dono a me deixar ficar ali. Escolhera o nome que ia assumir até conseguir me livrar: Dennis Braund. Fazia muito tempo que não utilizava esse nome.

Estava dormindo na cama até que o primeiro raio de sol passou pelo vidro da janela e chegou ao seus olhos. Se virou na cama, praguejando baixo, mas já havia sido acordado. Levantei da cama, me espreguiçando. Havia dormido no momento que tinha deitado, assim estava com toda minha roupa no corpo ainda. Tirei a adaga de debaixo do travesseiro, colocando novamente em minhas vestes. Andei até a janela e abri-a, sentindo o perfume inundar meu quarto. Senti que hoje seria um dia importante. Conseguiria um pouco de minha decência de volta, junto com meus itens. Uma adaga nova, talvez, ou pelo menos alguns venenos. Fui até a porta e encontrei pão e água. Sentindo a fome, sentei-me na cama e comi, tomando a água logo após. Não estava envenenada, o dono da estalagem era um homem caridoso que acreditara em minha história de que haviam me confundido com escravos. Tinha me dado uma muda de roupa nova e um local para dormir, além de um pouco de comida. Pensaria em alguma forma de retribuir o favor em algum momento.

Olhei-me no espelho, analisando meu estado. Olheiras das noites mal dormidas do navio ainda estavam em meu rosto. Minhas roupas cinzas estavam em bom estado, apenas nos braços estavam se desfazendo um pouco. Suspirei, me direcionando a porta. Sai do quarto, fechando a porta e trancando-a. Desci as escadas e andei na direção da recepção, entretanto congelei ao ouvir vozes irritadas. Parei de andar, me recostando na parede e ouvindo os quatro homens falando com o estalajadeiro, de forma ríspida, exigindo que lhe dessem as chaves de todos os quartos caso não quisesse morrer. Ouvi o nome que eu usara em Qarth sendo citado. Eram os assassinos. Haviam me encontrado. Não sabia como, mas estavam ali para me matar.

Observei a situação ao meu redor, sentindo meu corpo tremer um pouco. Não tinha a menor chance em um combate contra os quatro. Eu era bom furtivamente, não lutando. Como já estava no térreo, precisava com urgência alguma forma de, sem alertar ninguém, sair da construção sem ser pela porta principal. Pensei em usar alguma janela. Andei na direção oposta da recepção, andando o mais silenciosamente possível mas rápido. Entrei na sala onde se servia o café da manhã para os hóspedes comuns. Algumas pessoas estavam ali, comendo ainda sonolentas. Andei discretamente até uma das janelas, escancarando-a e pulando para o lado de fora. Assim que estava fora, comecei a correr para que quem estivesse dentro não me vissem.

Ofeguei me afastando do local, sem olhar para trás, me misturando as pessoas que estavam na rua. Havia sido por muito pouco. Me recostei na parede em um beco, sentindo meu coração bater forte, fechando os olhos. Como poucas vezes na minha vida, sentia medo de morrer. Real medo de morrer. Era palpável como a morte estava próxima de mim. Estava sendo caçado como um javali em uma floresta. Isso não me agradava nem um pouco. Precisava me livrar daquela situação logo.

Após alguns minutos recuperando meu controle, desencostei da parede e voltei a me misturar na multidão. Decidi que o que conseguiria hoje seriam venenos. Talvez pudesse usá-los contra meus próprios assassinos. Descobrir onde eles ficavam, conseguir colocar veneno em suas bebidas, assim seria o seu fim. Logo após, precisava fugir para Westeros o mais rápido possível para não ser encontrado por outros contratados pelos Imortais. Ainda teria que planejar melhor, mas tudo começava por conseguir os venenos. Pus-me a andar. Já tinha estado em Lys para realizar um trabalho antes, sabia que teria que procurar onde os comerciantes de venenos estavam escondidos. Andava sempre de cabeça baixa, tentando sempre me manter furtivo e misturado a população, caso os mercenários ainda estivessem atrás de mim.

Perto das muralhas da cidade, em uma das ruelas, vi um deles com um cliente. Apenas assim eu sabia que ele tinha venenos. Usava um sobretudo e entreabria-o, mostrando os frascos para o homem na sua frente. Bem menos pessoas andavam por aqui do que na área central da cidade, então estava ainda mais atento ao que acontecia meu redor. Me recostei na parede na esquina, olhando para o movimento, mantendo na minha visão periférica o comerciante, para perceber quando estivesse livre. Enquanto esperava, comecei a pensar em como faria para convencê-lo. Provavelmente teria que fazer algum favor a ele. Um favor que fosse rápido, mas ainda assim valioso o suficiente para que me pagasse com venenos hoje.

Percebi uma movimentação estranha e me afastei da parede, olhando discretamente. O cliente estava levando o comerciante para as sombras, segurando seu pescoço com uma mão. O vi pegar, com a outra mão, uma adaga do bolso. Com certeza tinha a intenção de matar. Era minha chance de ouro, afinal ele estava de costas para mim, sem nem notar que havia chamado a atenção de alguém. Tirei minha adaga enferrujada do bolso. No estado que ela estava, seria difícil matá-lo com um golpe só, entretanto sabia como agir. Por causa dos meus treinos com a guilda, sabia como fazer um homem desmaiar com um só movimento, ainda que não fosse minha especialidade, e isso já era o suficiente para resolver.

Vendo o atacante levantar a adaga como quem atacaria, corri, dando um salto para a frente para ganhar ainda mais força ao golpe com a velocidade, acertando uma pancada com o cabo da adaga em sua têmpora. Pude sentir sua cabeça chacoalhar e dei um passo para trás, deixando que desabasse no chão. Olhei para o comerciante, que estava com os olhos esbugalhados, fixos em minha lâmina. Ele ainda estava recuperando o fôlego.

- Muito... obrigado...

Balancei a cabeça, guardando minha arma para mostrar que não o atacaria e respondendo-o, olhando em seus olhos, tentando imediatamente persuadí-lo:

- Não sei o que estava acontecendo, mas não quero você morto. Está me devendo sua vida. - O homem retribui o olhar quando falo isso. Pensa um pouco, mas acaba por assentir. Continuo, usando minha lábia: - Estou interessado nos seus venenos. Poderia retribuir o favor com eles.

Tinha feito o famoso all-in. Colocado tudo em jogo. Conseguiria agora ou não conseguiria mais. Precisava aproveitar seu susto por ter quase morrido, além de implicitamente ele ter percebido que eu sabia ser letal. Não ameaçaria-o com isso, mas tinha visto com seus próprios olhos. Percebi-o pensar novamente, abrindo um pouco o sobretudo e pegando dois frascos. Um de Sonodoce e um de Lágrimas de Lys. Entendi porque estava pegando um de cada, minimizaria seu prejuízo, pois não ficaria com nenhum deles em falta. Sonodoce era barato e Lágrimas de Lys eram comuns entre os comerciantes de veneno por estarmos em Lys, então escolhera os que menos custariam a ele também. Vi-o estender para mim e os peguei, guardando em minhas vestes, enquanto ele falava:

- Apenas vou aceitar isso porque estaria morto se não tivesse aparecido. Da próxima vez terá que pagar com moedas ou fazendo algum serviço para mim...

Assenti ao que ele disse. Havia ganho sua confiança. Se eu precisasse de mais venenos, com certeza voltaria a procurá-lo, pois sabia que agora conseguiria com mais facilidade. Meneei a cabeça, indicando o corpo desmaiado no chão.

- Quer que eu faça algo com esse aí... Ou você mesmo vai dar um jeito?

Pela primeira vez, vi o comerciante sorrir. Um sorriso malévolo. Vi-o pegar um outro frasco de Lágrimas de Lys dentro de seu sobretudo, abaixar-se e colocar o líquido para dentro da boca do homem que o tentara matar, levantando sua cabeça para fazê-lo engolir.

- Acho que isso é o suficiente.

Balancei a cabeça. O homem sofreria por causa de seu estômago por dias antes de morrer. Lembraria-se do que tinha feito a cada vômito. A ideia agradava a mim, ele merecia uma morte lenta e dolorosa por ter tentado matar um vendedor de venenos. Acenei para ele, voltando as ruas comuns, me misturando as pessoas. Como havia esquivado da vistoria dos mercenários dos Imortais, meu abrigo estava ainda mais seguro. Dificilmente voltariam nele após já terem passado e não encontrado nada. Caminhei de cabeça baixa até ver a estalagem ao longe.

Ainda assim sentia o medo. Um medo como raramente havia sentido antes. Precisava encontrar alguma forma de sair dessa situação. Um nome passou pela minha cabeça, a única pessoa pela qual eu colocaria minha mão no fogo. Não tinha contato com ela há anos, provavelmente estava morta. Mas não tinha nada a perder em tentar, estava ferrado de qualquer forma. No dia seguinte faria algo para tentar contactá-la. Entrei na estalagem, acenando para o estalajadeiro, que disse:

- Oh, Dennis... não tinha te visto sair mais cedo, já estava ficnado preocupado... conseguiu resolver o que precisava?

Deixei meu medo transparecer na minha expressão, apenas porque ajudaria a convencê-lo:

- Não, Benjen, não... fui lá e tive que fugir correndo porque ainda achavam que eu era um escravo. Vou precisar arranjar outra forma de falar com eles, mas farei isso amanhã...

O homem deu um sorriso complascente, respondendo:

- Não tenha pressa, Dennis. Tudo vai se resolver com o tempo.

Assenti e acenei para ele. Subi para meu quarto, fechando minha porta, trancando-a e me recostando contra ela. Soltei um longo suspiro. Esperava, do fundo do meu coração, que ele estivesse certo.

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+ Estrutura e Coesão (28/30)
+ Enredo e Criatividade (15/20)
+ Ortografia e Organização (10/10)

+ 175 pontos de fama
+ 137 pontos em Furtividade
+ 1 sono doce {Recebimento: pela participação na quest "Rest In Peace", criada por Styr.}