[RP FECHADA] Call of R'hllor

  Era ainda cedo, e o jantar logo seria servido no enorme salão de banquetes de Jardim de Cima. Certamente era notável o aroma cálido de javali assado e faisões que subia através das escadas e corredores. Quando a cozinha do castelo estava em atividade, em toda a parte havia o cheiro da fartura e da boa culinária. Iguarias às quais eu nunca tivera acesso na modesta vida do Templo Vermelho. Agora no entanto, era com certa satisfação que eu inclinava o pescoço na direção da janela por onde uma leve brisa invadia os aposentos de Aspen, que dormia ao meu lado na cama, completamente nu. Nossas relações carnais eram vistas com franco escândalo pelas servas, que não se atreviam a emitir palavra. Ao menos amavam seus empregos mais que os velhos costumes de seus sete falsos deuses. Deslizando minhas unhas pelo peito firme de Aspen, sorri diante de seu sono pesado. Ele bebera muito vinho, e em seu jarro particular, duas leves gotas de sonodoce cumpriam a promessa de uma noite impenetrável. O Lord não jantaria naquele dia amuado de Outono. Preguiçosamente, ergui-me e penteei os cabelos com os dedos, diante do espelho. Rapidamente enfiei o robe vermelho escuro, fechando-o na cintura com meu broche de rubis no formato de uma aranha, que sob a luz de velas parecia feita de gigantescas gotas de sangue. Um largo xale de tecido negro semitransparente desceu por meus ombros, conferindo-me uma postura digna, senão admirável. O brilho de minha pele aguçou-se quando concentrei-me no rubi em meu pescoço, e foi como rejuvenescer alguns anos diante do meu reflexo. Eu quase podia sentir o massagear das chamas presentes em meu rosto, conferindo-lhe vitalidade e tonalidade desejados. Preparei-me para deixar o aposento, quando uma lufada de vento frio tocou-me a lateral do corpo, envolvendo-o em uma estranha sensação de convocação, propósito. Curiosa, fui até a varanda do quarto de Aspen, onde um de meus braseiros sagrados ardia sob a luz do melancólico luar.

   Visões de fogo e cinzas encheram meus olhos de maneira impetuosa e desconexa, e aprofundei minha percepção através das imagens que se distorciam e fendiam em cenários diversos e momentos variados. Passado, futuro, presente... Tudo morria e renascia como um centro de memória, um turbilhão de chamas do Senhor da Luz. Mais uma vez, então, vi a mulher. A rainha obscura de meus mais pérfidos pesadelos. Aquela que trazia a tempestade, Rainha da Noite. Seus exércitos caminhavam sob o seu comando, transitando do lado de dentro da Muralha que protegia o Norte. Trazendo morte com o maior inverno de que se tem lembrança. Vi do alto de uma torre, cavalos e esqueletos que marchavam num só desejo homicida. No corpo da donzela que gritava, corri para longe da cena macabra, surpreendendo-me ao notar os estandartes do lobo cinzento. Era aquela fortaçeza Winterfell? Não saberia dizer, pois nunca vira tal castelo, apenas o estandarte. Para mim bastaria daquele tormento, mas o Senhor da Luz tinha outros planos. Eu era agora uma fera, uma besta com gosto de sangue nos lábios. Meu coração acelerado batia no ritmo de meus passos, enquanto a terra era devorada pelo meu ímpeto. Arfando, sentia a saliva gotejar diante do inimigo. Soldados. Um peixe nos estandartes. Tully. Inimigo. Saltei sobre a noite, agarrando o braço do primeiro com minha poderosa mandíbula. Minha alcateia cruel uivou ao meu redor, enquanto meu mestre e seus homens cavalgavam com persistência. Nós teríamos vingança pelo nosso rei. Pelo nosso rei...

   Apoiando-me na pequena mesa de mármore, respirei fundo diante daquela incomum visão. Fora quase como os wargs do Norte, e aquele era o único parâmetro de que eu lembrava-me, para discernir o ocorrido. Quase podia farejar o suor, e apesar do calor das chamas que crepitavam, por um momento estava na floresta escura e desprovida de luz. Meus olhos ardiam com a proximidade familiar da fogueira, mas não eram eles que seriam capazes de manter-me acordada. E sim a visão dos mortos marchando sobre Winterfell, que não sairia de minha mente nem tão breve quanto eu desejaria. Quando Meistre Gregory bateu à porta e enfiou sua cabeça afim de dar-me um recado, eu já sabia de que se tratava. O Senhor da Luz não media esforços em suas diretrizes, e já aguardava a chegada de minhas irmãs, que vinham em busca de orientação pela prosperidade do Senhor da Luz nos Sete Reinos. Acompanhei meu jovem Meistre até o salão de reuniões, onde três distintas e belas mulheres estavam de pé, aguardando pacientemente. Todas apresentaram-se, com sotaques e aspectos particulares diferentes, embora todas fossem ruivas e brancas como marfim.

- Braavos. Astapor. Yunkai. - Proferi, saboreando as palavras em minha língua, falando em valiriano pela primeira vez em muito tempo. - É bom ouvir tais nomes. Lembram-me o lar. Sou uma nascida escrava de Asshai, comprada pelo Templo Vermelho da Cidade das Sombras e enviada para ser a aprendiz pessoal de Kamaris Qhaedar, Chama da Verdade e Luz da Sabedoria, Primeira Serva do Senhor da Luz.- Diante da menção do nome e dos títulos de Kamaris, todas curvamos a cabeça como era esperado. Afinal, era ela a maior autoridade viva, em nossa Fé e modo de vida. A representante escolhida pelo nosso Senhor. - Espero que sintam-se bem-vindas à Campina. Foi um longo caminho, este que percorri com o auxílio de nosso Deus, mas ele honrou minha fé e lealdade. Agora, através de minhas visões nas chamas, lhes darei o que vieram buscar. Oportunidades para que vossos destinos também sejam honrados. - Com um gesto, pedi que minhas convidadas sentassem à mesa, a qual contornei, tomando um braseiro de uma das escrivaninhas e acendendo-o com uma vela. Então depositei o objeto metálico sobre o mogno polido, e sentei-me à cabeceira, cruzando as mãos sobre a mobília. - Recentemente, enviei uma carta para nossa Mestra, relatando uma visão perturbadora. - Ao som de minha narrativa, a chama parecei crepitar e ganhar corpo. - No Verdadeiro Norte, onde gigantes renasceram ao som do Berrante de Joramun, e onde uma das mais longevas sacerdotisa sacrificou-se para proteger os Sete Reinos, o Mal se levanta mais uma vez.

    Então as chamas ergueram-se mais altas, mudando de cor. Meus relatos ganharam ilustrações, e logo minha visão cruel repetiu-se, anunciando morte e destruição. Notei o pavor e a incredulidade nos olhos de minhas irmãs, mas quando elas viram por si mesmas, qualquer traço de dúvida desaparecera dos rostos absortos e impressionados pela realidade daquela sombra mortal. O inverno estava chegando. E tinha pressa. Cabia a nós, aquelas que conheciam a verdade, guiar a mão dos grandes Lords e Ladys daquele continente, que já pareciam ter esquecido do que acontece quando os mortos marcham para o sul. Daquela vez, se não fossem prudentes, estariam ainda mais fracos do que na ocasião da última Batalha do Inverno.

- Sim, o futuro é assustador. Para todos os Sete Reinos. Não foi o acaso que as trouxe até mim, irmãs. Nem os rumores dos meus feitos na Campina. Mas a certeza de que o Senhor da Luz tem um plano traçado para cada uma de nós. Nossas vidas e desejos pessoais são mera conveniência, diante da verdadeira batalha que se desenha no horizonte. - Abrangi toda a sala de reuniões ao meu redor, com um displicente gesto de mão. - Os Lords, seus exércitos e seus inimigos, são instrumentos do nosso Senhor, e do Grande Outro. Nosso Deus nos alça a elevados padrões, quando chega a hora de lutar em seu nome. É o que cada uma de nós fará, se formos servas honestas e humildes de Sua vontade. Irmã Melina de Yunkai, és a mais madura e experiente nos caminhos tortuosos do Senhor. Peço que vá para o Norte, onde a sombra é mais profunda. Vá para Winterfell e aconselhe Lord Tristan. Ele precisará de suas habilidades para enfrentar a traição de seu povo e a guerra que se aproxima. Amaya... Vi imagens turbulentas e cheias de barbárie ao longo do Tridente. Em breve você será necessária em Correrio. Os Tully sofrerão por sua lealdade ao Trono de Ferro. E se as Terras Fluviais arderem novamente, então estaremos fragilizados da mesma forma que antes. Por fim, Layna... Sua missão será de máxima importância. Servos da escuridão assomam contra o governo de R'hllor sobre a Campina. Disfarçados sob um nome antigo, servem aos propósitos do Grande Outro, tentando afastar as terras do sul do verdadeiro caminho com guerra e conspiração. Você deve agir como a espiã e sedutora habilidosa que é, segundo os boatos a seu respeito. - Quando se podia contar com sua própria rede de espiões, além da magia, era mais fácil saber com quem se estava lidando. - Vá até Garad Ashford. Aconselhe-o, torne-se vital e indispensável. Seduza-o, mostre-lhe o calor do Senhor da Luz, e o ilumine com a verdadeira Fé. Faça com que ele quebre por dentro a aliança nefasta que se instaurou contra mim, e erga-se com ele, quando a hora chegar e nosso Deus convocar a ambos.

   Servas entraram na sala de reuniões, trazendo bolos de limão, queijos de cabra e vaca, maçãs, toranjas basilisco, pães, vinho e água. Uma pequena seia, já que a hora do jantar havia se passado durante nossa conferência. Com prazer, tomei uma das taças e beberiquei, saboreando o vinho Redwyne. Mordisquei um pedaço de pão, apenas para fazer valer os costumes de hospitalidade westerosi. Os guardas à porta rapidamente retornarão por onde haviam entrado, deixando-nos a sós novamente. Nenhum guarda ou servo parecia olhar para nós por muito tempo, certamente impressionados pela quantidade de sacerdotisas unidas sob um mesmo teto. Certamente éramos muito assustadoras para mentes ignorantes. Um verdadeiro coven de feiticeiras maléficas, eles diriam do alto de suas mentes pouco desenvolvidas. Sorrindo, afastei minha bebida e olhei cada uma das mulheres em minha presença, como se fossem as acólitas e acólitos dos quais eu cuidara antes de chegar à minha posição atual.

- Sei que o que lhes peço é difícil, e inclui muitos perigos. Mas o que fazemos pelo nosso Deus, fazemos por nossas próprias almas. Essa é a maior motivação de uma sacerdotisa. Não a vida material, ou os prazeres da carne. Mas as jornadas arriscadas e cheias de incertezas, que garantem uma posição agradável junto à Grande Chama, no mundo do além. Para que então ao retornarmos, encontremos um mundo ainda mais liberto das influências do Grande Outro, que serão minadas a cada geração capaz de derrotá-lo. - Pairei meus dedos sobre as chamas que ainda ardiam, alimentando minha pele com aquele calor bem-vindo. - Somos parte de um poderoso círculo, um organismo único. Se perdermos a próxima Batalha do Alvorecer, então muito em breve condenaremos o mundo à escuridão. Os Outros podem facilmente restabelecer a passagem para Essos com magia. As criaturas manipulam o éter e a natureza mais facilmente do que nós. Temos que ser sábias, e agir através de outros, até que o momento chegue. É para este fim que fomos imbuídas de nossos rubis, e astúcia. E não podemos falhar.

    Levantei da mesa, pedindo que as outras me acompanhassem, com um gesto animado. Logo elas seguiam-me na direção do salão de banquetes, onde os filhos de Aspen e muitos convidados ilustres do casamento eminente ainda conversavam animados após o banquete. Um bardo cantava uma sinfonia animada da Donzela e o Urso, enquanto casais dançavam ao som de palmas, em outra mesa. A típica efervescência de Jardim de Cima vibrava, enquanto os músicos tentavam acompanhar o ritmo ensandecido do bardo que fazia gritar o seu bandolin. Aquele era meu presente para as servas de R'hllor. Um pequeno vislumbre de toda a vida e todo o calor que ao meu lado, elas lutariam por preservar.

- Que esta seja um momento de celebração. Pois a noite é escura, e cheia de terrores. - Terrores dos quais conhecíamos os detalhes, agora. À despeito do espectro negro em nosso futuro, a vida devia ser vivida. Com aquela demonstração de afeto e amizade, guiei minha irmãs até uma mesa, onde pudemos apreciar as festividades. Logo nos tornamos parte integrante das atrações, tamanho os comentários a nosso respeito. Em dado momento, eu mesma pedi que trouxessem minha harpa e cantei em homenagem às damas de vermelho.

  Afinal, para nós sacerdotisas vermelhas, estarmos unidas fora de um Templo era uma ocasião com intervalos tão longos quantos as estações de Westeros. Como cometas ou estrelas cadentes, que pedem por ser notados quando nos honram com sua passagem...

Participação na RP Encerrada.

Habilidade Treinada: