[RP FECHADA - FLASHBACK] The lonely hour

THE LONELY HOUR

Esta é uma RP FECHADA e conta apenas com a presença de Ella Baratheon. Após os fatídicos acontecimentos em Jardim de Cima, Ella encontra-se em seu solo ancestral, inconformada e nostálgica.

Pouco me importava os discursos sobre força repetidos a exaustão pelos vassalos bajuladores. Poucos deles sentiam nossa perda. Poucos deles se importavam de verdade. Eu não queria um consolo ou um motivo para continuar vivendo. Poderia sobreviver pela vingança, mas até isso o capricho do destino havia tirado de mim. Eu não podia transpassar uma flecha pelo estômago do assassino de minha família pois o miserável já era um cadáver. Que me restara então? Atravessei o vão da porta de meu quarto em Ponta Tempestade pela primeira vez em meses. Tudo parecia igual, todas as cadeiras no lugar, todas as gravuras nas paredes, mas ao mesmo tempo existia um vazio eterno.

Nas tardes livres, meu pai fazia de tudo para me ver pintar. Ele dizia que o acalmava, então eu não poupava esforços para preencher os papéis com tudo que me vinha a mente. Havia rosas, veados, campos verdes como os de Jardim de Cima, nossas praias e caminhos cheios de lama, e até um retrato mal feito de minha mãe. Tudo disposto com zelo pelos meus aposentos. Com paciência, guardei todos em uma caixa de veludo verde, prendendo com um laço e escondendo-os entre meus baús. Eu jamais desenharia de novo. Enquanto pudesse evitar, jamais faria gravura alguma. Por eles, e por não ver no mundo nada mais que pudesse ser digno da eternização em tinta e papel.

Pela porta aberta, pude ouvir os criados no quarto de Annis, pegando suas roupas para que fossem lavadas e deixadas ao ar livre por algum tempo. Tudo estava guardado acumulando poeira, a espera da dona que temíamos nunca mais ver. Piratas haviam tirado nossa pequena de nós, sem qualquer pedido de recompensa. Peter teria pago o preço dos raptores, sei que não seria mesquinho, mas ele sequer nos foi dado. Na primeira semana pensei que fosse apenas uma estripulia de Annis, na terceira semana achei que ela tinha se metido em encrenca e que estivesse com vergonha de voltar, no segundo mês eu amaldiçoei os Sete e o deus de meu irmão, e no terceiro mês eu me desesperei.

Mas não se pode pensar direito em meio ao desespero. É como esperar que de uma explosão em uma biblioteca possa nascer um dicionário. E mesmo naquele estado, reconheci meu erro. Só seríamos úteis a Annis se estivéssemos lúcidos, inteiros. Deveríamos estar unidos, os três irmãos, ombro a ombro. Mas em momentos como aquele, sozinha em meu quarto, eu quase podia tocar a parede que nos separava. Aos poucos, aquela parede se transformava em uma muralha. Minha parte imatura havia culpado Peter pelo nosso infortúnio. Jamais estaríamos entre os malditos Tyrell, não fosse pelo seu noivado com Mychella. Mas tão rápido quando a raiva me tomou, eu me desfiz dela. Nossos pais queriam aquela união, era a vontade deles e foi nisso que depositaram sua confiança.

No fim, não sobrara ninguém para culpar. Pensei em escrever para Cersei, mas não sabia de seu paradeiro. Tudo que me sobrava era a oportunidade de escolher quem eu seria. Eu ainda podia ser uma Lady nas Terras Fluviais, se assim desejasse, poderia pedir a Peter que levasse meu noivado com Edmure Tully para frente e deixar tudo para trás. Dar adeus ao meu quarto, minha casa e meu lar ancestral. Mas eu não queria isso. Meu coração pedia por algo que nem mesmo eu sabia identificar. Como Argella Durrandon, de quem herdei o meu nome, eu sonhava com a independência,e torcia para ter um fim melhor que o dela. Durante a batalha da Última Tempestade, vendo seu pai morto por Orys Baratheon, irmão bastardo do rei Targaryen, a princesa Argella se trancou dentro das mesmas paredes que me cercavam naquele momento, declarando-se Rainha da Tempestade.

Ela manteria sua palavra até o fim, defenderia seu legado do general do dragão e protegeria a herança Durrandon. Infelizmente, a primeira Argella foi traída por seus covardes soldados, traída e despojada de seus pertences, entregue vulnerável à Orys, que contrariando as expectativas, a vestiu e alimentou, cuidando dela até que ela finalmente aceitasse se casar com ele. Eu não conseguia me imaginar como Argella em todos os sentidos. Orys matou seu pai por Aegon Targaryen, como ela teria conseguido perdoar e seguir em frente? Juntos, eles eram responsáveis pela linhagem que me fizera nascer. Juntos, Orys e Argella haviam erguido nossa casa e trazido até ali, com todas as suas glórias e pesares.

Certamente eu não partiria para as Terras Fluviais. Eu não me tornaria uma boa e recatada esposa. Não até que meu coração clamasse por isso, e que toda minha valia para meu legado, para o legado de Argella e Orys, estivesse esgotada. Abri as pesadas cortinas de veludo amarelo que impediam a luz pálida de iluminar o cômodo, e deixei que ela iluminasse o rosto da mulher que eu desejava me tornar, deixei que ela clareasse meus pensamentos e coração com o vento úmido do mar. As coisas não estavam em seu devido lugar, mas não permaneceriam assim para sempre.

HABILIDADE TREINADA:

A primeira manhã em Ponta Tempestade, desde nossa volta da Campina, começou bem tranquila. As ondas estavam estranhamente calmas, e uma pessoa otimistas poderia até dizer que o dia estava bonito. Bonito é claro, para os padrões dos homens da tormenta, acostumados com o ar úmido e a força e influência das marés. Acordei bem disposta, contrariando o estado de minha alma, como se meu corpo estivesse pronto para correr de uma ponta a outra de Westeros. Peter e a mulher já haviam tomado seu desjejum horas antes, ordenando que o meu fosse servido no quarto. Era um alívio poder sentir o cheiro dos nossos temperos, tão distantes dos usados pela cozinha dos Tyrell.

Comi sem muita pressa, esperando que uma das criadas viesse me ajudar a me vestir. A encarregada disso era uma jovem franzina que eu ainda não conhecia. - Qual o seu nome? - Perguntei, enquanto ela tirava um de meus vestidos mais leves de dentro de meu armário. - Ilde, senhora. Sou a substitua de sua antiga criada. - Informou ela,com a voz fraca e tímida. - E o que houve com Celina? - Questiono, lembrando da criada que havia servido no castelo desde meus dez anos. - O marido foi morto no mar. Ela está com os filhos. - Disse a criada, quase como se pedisse desculpas. Senti profundamente por Celina. Era uma mulher forte, e eu certamente faria tudo ao meu alcance para ajudá-la.

Deixei que a criada prendesse as tiras de meu espartilho e calcei eu mesma minhas botas. Deixei o quarto enquanto trançava meu cabelo, tendo o cuidado de não me meter no caminho de Peter ou Mychella. O novo Lord tinha muito trabalho a fazer, e eu ficaria contente em ajudá-lo, mas antes precisava gastar toda a energia que havia ganho de forma misteriosa. Meu precioso arco estava pousado no lugar de costume. Era feito de madeira nobre, possuía detalhes em prata e a frase/ameaça que meu pai havia mandado gravar em seu corpo. "Mensageiro da Donzela". Era ele quem falava por mim. Era ele que passava o recado feito de metal e madeira, rápido e letal.

Peguei minha aljava e a joguei nas costas, tomando o caminho lateral que levava até minha área de treino, poucos metros além do castelo. Inesperadamente, tive meu caminho bloqueado por um dos cães de guarda de Peter, Sor Wylde. - Receio ter de frustar seus planos, Milady. Não é seguro lá fora. - Disse o homem de trinta e poucos anos. - Acha que piratas saltarão de trás do meu alvo e me levarão embora? - Perguntei com deboche. - É uma opção a se considerar, Lady Ella. - Respondeu ele, de cara fechada. Suspirei antes de falar. - Estarei a poucos metros do castelo, ao alcance da janela de Peter. Tão perto que ele ouvirá o barulho das minhas botas. - Comecei.

- O Lord prefere que fique dentro do castelo. Por hora. - Insistiu ele. - Você e eu sabemos que o Lord ainda não sabe bem ser Lord. Eu só preciso de uma hora. Prometo atirar em qualquer coisa que se aproximar de mim. - Digo. - Sor Wylde, o senhor sabe que venço disputas de arco e flecha desde os cinco anos. Não é como se eu estivesse saindo desprotegida. - Argumento. - Não é nem como se eu estivesse saindo. Há quartas no perímetro. Guardas por todos os cantos que Peter conhece. - Falo, esperando uma reação do homem, que franze a testa.

- Lord Peter não ficará satisfeito. Não posso descumprir ordens. - Disse ele, mas pude identificar uma oscilação em seu tom de voz. O homem certamente tinha mais o que fazer do que servir de babá para uma mulher crescida. - Basta que não tenha me visto. Não pode barrar uma pessoa que nem sequer viu. Vou e volto antes que Peter e sua esposa procurem por mim. Temos um acordo? - Ofereço, estendendo minha mão livre. O homem sorri torto antes de responder. - Teríamos um acordo, mas a senhorita não está aqui, não é? - Disse, me deixando satisfeita, em seguida capturou minha mão e depositou nela um beijo cortês, deixando meu caminho livre. Segui em direção ao portão antes que o nobre cavaleiro mudasse de ideia.

HABILIDADE TREINADA:

Fora do castelo, próximo a  uma formação rochosa gasta pelo tempo, Lord Devan havia mandado erguer grandes e resistentes alvos de madeira. Inicialmente eles deveriam ser o passa-tempo de Peter, mas acabaram por encantar a mim. Mamãe achava o hábito pouco indicado. Preferia pensar em mim como uma donzela meiga e de mãos macias, que nunca deveriam ser marcadas pelas cordas de um arco. Mas a sensação de ter a peça entre os dedos era incrível, mais recompensadora que qualquer par de agulhas ou laços de fita. Confesso que no começo aquilo era apenas uma maneira de deixar Arandora irritada, mas com o tempo, não conseguia passar mais de dois dias sem praticar.

Cersei achava a ideia maravilhosa. Para ela, era mais que necessário que uma Baratheon soubesse se defender sozinha, chegou a me indicar o uso de uma espada, mas o peso delas era demais para meus braços magros. Naquele momento nenhum deles estava comigo. Mas eu ainda podia ouvir suas vozes em minha mente, me criticado e apoiando, e eu desejei em vão que pudessem se sentar ali novamente, perto das pedras, para me ver disparar minhas flechas. Infelizmente, era impossível. O mundo não funcionava assim. Ninguém voltaria dos mortos com o Rei Jon Stark. Não naquele dia.

Prendi a primeira flecha na corda do arco. Flechas com penas amarelas, feitas especialmente para mim, em uma encomenda ao nosso ferreiro mais leal. O vento não as favoreceria, pois eram mais leves que qualquer outra flecha das Terras da Tempestade. Eu não me conformara com elas no início, pois não eram peças de guerra, mas pareciam agulhas de tricô, feitas para uma dama delicada. Eu as odeie, mas meu pai me convenceu a usá-las para treino, e assim eu fazia. Ergui o braço até a altura do rosto e puxei a corda até que meu dedão pudesse ser pousado sobre minha bochecha. Esperei até que uma rajada de vento mais forte parasse e disparei.

A flecha cortou o ar sem cerimônia e foi parar a consideráveis centímetros do centro do alvo. Disse a mim mesma que era culpa dos meses em Jardim de Cima, onde o contato com armas era um tabu. Alcancei outra flecha e armei novamente a arma, dessa vezes inclinei suavemente o braço, puxando o cordão com o mesmo rito, até que sentisse as penas da flecha roçarem ligeiramente em minha orelha. Disparei de novo, conseguindo resultado pouco melhor. Repeti o processo até que todas as minhas flechas fossem cravadas no alvo, mesmo que em sua borda.

Com paciência, tirei uma a uma e as joguei novamente dentro da aljava de couro que trazia comigo. A hora que eu havia prometido passar fora já estava quase no fim, mas eu não tinha a intenção de voltar. Pouco me importava que dissessem que Ella Baratheon não cumpria suas promessas. Isso não era um grande problema. Voltei a posição original, vendo o sol começar a se erguer por entre as espessas nuvens, enquanto armava novamente meu arco.

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Quando voltei ao castelo, sentia o suor vertendo em minhas costas em quantidade generosa. Pensei em tomar um banho demorado, me afundar em água quente e tranquila, mas antes que tivesse a chance de tomar o caminho de meu quarto, fui parada por Sor Wylde, apressado e ligeiramente nervoso. - Milady, procurei vosso irmão em toda a parte. Disseram-me que está ocupado. - Disse o homem, com a voz cansada. - Diga-me do que precisa, Sor. - Ofereci. O homem abriu espaço e acenou para que eu fosse na frente. Confusa, tomei o caminho, Sor Wylde manteve-se calado por alguns torturantes segundos, antes de começar a tecer uma explicação. - Um mentiroso, Milady. Um mercador que não conhece limites. Ele procurou a guarda hoje cedo, dizendo que sabia do paradeiro de Lady Annis. Ele indicou o lugar pois acreditava que fosse receber o ouro antes de checarmos a veracidade de suas informações. Mas foi ingênuo. Não havia sinal de sua irmã, infelizmente. O que deseja que façamos com ele? - Perguntou o cavaleiro.

Parte de mim estava com raiva. Era desumano que alguém conseguisse brincar a sangue frio com um fato tão importante, impondo aos que sofrem uma esperança vã. Mesmo assim, não era algo que pedisse morte. Corri a mão pelo rosto, enquanto seguia até a pequena sala próximo aos estábulos. Era feita de pedra escura e possuía apenas uma pequena janela, por onde pouca luz entrava. O homem era, como esperado, um maltrapilho. Não podia dizer que havia maldade em seus olhos, mas não podia julgá-los dignos de confiança. Dois guardas estavam com ele, impassíveis. - Como te chamam? - Perguntei, atraindo a atenção do nosso "informante".

- Davos. - Respondeu. Um sorriso sem humor brotou em minha face diante da ironia. Davos era um nome que toda a minha família aprendera a amar e respeitar, não era um nome que caia bem a alguém de menor valor. - Davos. Está ciente de que suas mentiras poderão lhe causar grande prejuízo? Espero que esteja, pois não estou com tempo para explicar o quão errado foi tentar enganar os soldados de meu irmão. - Digo, fazendo-o se remexer na cadeira decadente que ocupava. O espaço era assustadoramente pequeno. - Não brincamos com essas coisas aqui. Não jogamos com a dor dos outros nas terras de meu pai, e do pai dele e de centenas de seu sangue. - Continuo.

- Eu não quis fazer mal. Tenho fome. Viajo há muitos dias. - Justifica o homem. Suspiro, analisando-o com cuidado. - Acha que encontrará piedade aqui? Eu poderia dar-lhe pão em outra situação, mas agora tudo que terá de mim são essas palavras. - Começo, me adiantando dois passos na direção dele, sentindo que Sor Wylde me acompanhava por reflexo e precaução. - Se voltar a usar sua língua venenosa em minhas terras, seja para ludibriar um simples camponês, a punição mais leve que encontrará terá o peso do martelo de Robert Baratheon. - Digo, sem afastar meu olhar dos seus, vendo o pavor se formar neles.

- Seja grato pela chance que recebe, traste. - Rosna Sor Wylde, parado ao meu lado. O homem engole em seco, abaixando o olhar. - Será escoltado por meus oficiais por alguns quilômetros. O ponto em que o deixarem será seu limite, um passo além e será terreno perigoso para você. - Digo. - Levem-no. - Peço, dando as costas para o prisioneiro e para os guardas, enquanto levo meus pensamentos a Annis e ao seu verdadeiro paradeiro. Quem poderia precisar os perigosos a que a doce Annis havia se exposto?

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