[RP FECHADA] Hopeful

HOPEFUL

Esta é uma RP FECHADA e conta apenas com a presença de Ella Baratheon. A mulher se encontra em seus aposentos, anos após o sumiço das irmãs e o começo de uma nova era.

Não queria admitir que estava ficando paranoica, apenas assumia que minha esperança era algo que custava a morrer. Era a teimosia Baratheon, viva em meu sangue através de todas as luas. Peter havia construindo sua própria família. Possuía filhos lindos e uma mulher que parecia estar sempre ao seu lado. Mas eu ainda continuava sendo eu, dedicada a encontrar a família que aos poucos Peter passava a julgar perdida. A incerteza sobre a morte da minha tia me dava coragem. Eu sabia que a forte Megga estava segura, mesmo em fuga, e isso fazia com que eu sentisse o mesmo sobre Cersei e Annis.

Em algumas tardes, antes que a luz fosse embora, eu me sentava em meu quarto frente a janela. Pegava um papel novo e descrevia meu dia. Já havia pilhas e mais pilhas deles, cartas que eu não poderia enviar, onde eu explicava para Cersei como havia sido os primeiros passos da pequena Joanna Baratheon, garantia a Annis que suas partituras estavam seguras, comentava sobre as mudanças no clima e minhas flechas novas. Parte de mim tinha certeza de que elas leriam tudo aquilo um dia, quando voltassem para casa.

Quando amamos uma pessoa, não há sacrifício grande o suficiente, nem espera que seja longa demais. Havia sido assim com Rhaegar Targaryen, um espírito nobre e apaixonado. Meu pai detestava me flagrar suspirando por ele, mas era inevitável. Rhaegar havia sido assassinado por meu antepassado, na famosa Rebelião de Robert. Eles lutaram sobre a água, e mesmo sendo ágil, o filho mais velho do Rei Louco tombou quando o martelo de guerra de Robert atingiu seu peito. Dezenas de rubis, que ornavam sua armadura, se misturaram a água e ao sangue, enquanto a vida deixava seus olhos.

O que levou Rhaegar até aquele momento nada mais foi que o amor, a fé que mesmo nas circunstâncias mais absurdas podemos conquistar o que mais desejamos no mundo. Um ano após coroar Lyanna Stark como Rainha do Amor e da Beleza no torneio de Harrenhall, Rhaegar a sequestrou. O nobre cavaleiro, amante da leitura e música, levou a jovem Stark com ele, não importando o que existisse em contrário. Por muito tempo, tudo que era dito sobre essa fase da história, dizia respeito a irresponsabilidade, a queda de uma dinastia e o abandona da inocente Elia. Isso mudou com a descoberta da identidade de Rei Jon, e nunca foi visto assim por mim.

Tudo que sempre vi em Rhaegar, o Melancólico, foi coragem. Lendo escondida as canções sobre ele, eu só conseguia pensar no sentimento que o levou ao extremo. Ali, sentada em meus aposentos com os últimos raios de sol, eu desejava pra mim a mesma força de Rhaegar, não para lutar por um homem, mas por meu próprio sangue. Não me sentia mais confortável sob minha pele, não me conformava com os três anos em inércia e me ressentia a vida pacata de donzela. Eu sabia que o príncipe dragão, dentre todos, estando onde estivesse, compreenderia a inquietude de uma jovem corça.

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Minha cunhada era uma mulher estranhamente pontual. Não que eu duvidasse das maneiras dos nascidos na Campina, eu duvidava das maneiras dos nobres em geral. Todas as suas manhãs pareciam escritas com zelo em pergaminho novo, ela tomava café sozinha ou com meu irmão, brincava com os filhos e escrevia por horas. Enquanto isso, eu calçava minhas botas de couro claro e me esgueirava para fora do castelo. Deixava o cabelo solto para que fosse difícil me reconhecer, e deslizava até as florestas próximas. Peter surtaria se soubesse. Parte de mim se sentia culpada por me colocar em um perigo desnecessário, mas outra parte me desafiava a fazer isso.

Segui a pé junto a um riacho silencioso, que seguia sem pressa em direção ao mar. Usei alguns galhos como apoio e logo estava cercada por uma vegetação ora espessa ora falha, repleta de clareiras que talvez nem nossos antepassados pudessem explicar como surgiram ali. Tentei andar o mais lentamente possível, evitando quebrar os galhos secos e produzir barulho. Trazia comigo meu arco, um amigo antigo. Não sabia bem o que procurava, mas essa era parte da diversão. Retirei com cuidado a arma das costas e a carreguei com uma das minhas flechas. Não mais flechas de treino, flechas tão afiadas que atravessariam um homem adulto.

Continuei com o arco em punho, perdendo a luz do sol em parte do caminho. Estreitei os olhos ao ouvir um ruído baixinho, e logo ergui o arco em posição de ataque. Apertei minha mão sobre a madeira e parei, esperando outro movimento entre as folhas secas, mas infelizmente ele não veio. Talvez fosse apenas um animal pequeno, me dando esperanças vãs. Voltei a andar, dessa vez atrás de luz, e de um animal que valesse meu tempo. Não demorou muito para que ouvisse outra coisa, dessa vez mais apressado e mais alto.

Parei novamente, próximo a um velho carvalho, já sentia o suor sob minhas luvas mas segurei o arco com firmeza. Puxei sua corda de forma contida, esperando pelo que quer que fosse. Quando os arbustos se remexeram de novo, pude ver com clareza o animal que se aventurava por ali. A ironia era doce, pois diante de mim estava um jovem veado. Era corpulento, o que me fez pensar duas vezes, pois seria difícil voltar com ele pelo caminho que fizera até ali. Porém, algumas pessoas em nossas terras não teriam nada para comer naquela noite, o que valia um sacrifício ou dois. Enquanto ela pastava tranquila, puxei o arco até seu limite, sabendo que só teria uma chance de acertar.

Ao fazer isso, o animal pareceu me sentir através do ar, pois parou de pastar e se voltou para mim. Ele permaneceu assim, quieto como eu estava, esperando meu próximo movimento. Continuei com a arma pronta, esperando que ele aproveitasse o momento para correr, mas ele não o fez. Quando finalmente senti meu cotovelo latejar, soltei a flecha e deixei que ela seguisse seu caminho. Por reflexo, a criatura saltou e correu, fazendo com que minha flecha atingisse o chão e nele ficasse cravada. Fracassada. Puxei outra flecha de minha aljava, mas já era tarde demais. O veado serpenteava por entre as árvores, rápido e fora do meu alcance.

Não me senti derrotada. Me senti estranhamente aliviada. O abate da criatura era simbólico demais para os meus pobres nervos. Com o arco armado, continuei até onde minhas pernas resistiam, medindo minha distância pela fome que lentamente se apossava de mim. No final da empreitada, tinha comigo cerca de três coelhos silvestres e um animal que me lembrava uma doninha. Como todos eles serviriam de prova contra mim no castelo, denunciando meu passeio, cortei caminho por uma vila com minha roupa suja e botas lameadas, e distribui a caça entre duas famílias. Quando finalmente cheguei em casa, todos já tinham almoçado, e só me restava estar só e esperar um banho quente.

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Todo o castelo parecia entorpecido quando acordei. Nenhum ruído além dos passos das criadas contra as pedras, e mesmo eles pareciam distantes demais. Uma bacia com água quente já havia sido depositada aos pés da minha cama, e usei seu conteúdo para lavar o rosto. Fechei os olhos por alguns segundos, sentia o peito ligeiramente cansado, como se uma enfermidade estivesse prestes a se apoderar de mim. Havia cavalgado na chuva no dia anterior, mesmo sabendo quão contraindicado era. Estava indisposta, sem a menor dúvida, mas estes eram meus dias mais produtivos.

Minha porta abriu com um estalo irritante, e uma das minhas criadas se anunciou. Betsy, a mulher franzina parecia agitada, e não fez rodeios para contar o que a trazia ali. - Lord Dondarrion acaba de avisar ao vosso irmão que uma comitiva Hightower se aproxima, senhora. - Disse a criada. Betsy era um par de olhos e ouvidos muito eficiente. Era simples, honesta e discreta, o tipo sobre quem poucas pessoas desconfia. Eu não a usava como espiã, e nem gostava de pensar nessa ideia. Ela era apenas uma porta voz, alguém para me dizer o que eu só viria a saber com muito atraso.

Ergui a sobrancelha com a informação, meditando por alguns segundos. - Vem por Mychella, sem dúvida. - Digo, correndo o polegar pelo queixo. Não éramos próximos o suficiente dos vassalos Tyrell para que a visita fosse justificada com outro assunto, mas tinha minhas dúvidas. Durante as luas passadas, muitas informações chegavam sobre uma revolta na Campina. O legado de meu sobrinho estava ameaçado pelo descontentamento dos vassalos com o comando de Zakintia Tyrell.

Manteria com prazer a máxima distância daquele solo maldito, mas as circunstâncias eram delicadas. - Vá e fique atenta. Se Dondarrion os avistou, não devem demorar muito. Por hora é só, Betsy, obrigada. - Digo, indo em direção a minha penteadeira. Fixo meu reflexo por algum tempo ao me sentar, e medito sobre as novidades. A mulher sai, e por um minuto penso se não teria sido mais sábio pedir que dois soldados se postassem como sentinelas a minha porta. Mas desconsidero.

Por mais que Zakintia fosse uma criatura suspeita e malquista por mim, não considerei estender a mão a um possível inimigo seu. Havia muito a se explicar quando o assunto era a antiga Mestre dos Sussurros, e mais ainda quando se falava da morte de seu marido e de meus pais, mas nada disso tornava sua queda interessante. As Terras da Tempestade viviam um momento delicado, representávamos a antiga e a nova rainha, um desequilíbrio que não passaria despercebido aos olhos dos conspiradores.

Serra jogara conosco, embora ainda não fosse claro para mim por quais meios. Muita coisa havia acontecido durante o saque, muitas das quais eu desejara ardentemente ter presenciado. Até onde poderíamos sustentar uma situação cheia de lacunas? Eu não sabia dizer. O suposto líder da rebelião Greenhand batia em nossa porta para nos forçar a encontrar uma verdade repelida, isso eu conseguia sentir. Mas a ignorância é uma benção, mesmo não nos trazendo a tão doce vingança.

Antes que seu estandarte cruzasse nossos portões eu já podia ouvir suas palavras cordiais. Talvez ele trouxesse a confirmação de meus devaneios, ou ao menos um fio deles, que Peter nem sequer considerava. A perspectiva era interessante e sedutora, embora eu não tivesse a intenção de estar na presença de qualquer nobre da Campina. Lord Osyl havia dado um passo importante vindo até nossos domínios, e eu só poderia esperar pelo desfecho.

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No borrão em que tinha se transformado as últimas horas, me peguei pensando no que seria uma prioridade para Peter. Os portões principais rangeram quando a comitiva Hightower entrou, afastei a cortina da janela e fitei as carruagens e cavaleiros com profundo desdém. A primeira a tocar o solo de nosso pátio foi a mulher, a Lady de Torralta. Era uma mulher muito bela e segura, que perturbava a cabeça de todos os guardas presentes. Não era de se admirar que um Lord poderoso tivesse voltado seus olhos para a herdeira de uma casa vassala dos Lannister. Embora beleza, eu ousava dizer, não fosse fator determinante em certas alianças.

Lord Hightower a seguiu, com presença consideravelmente intimidadora. Deixei que um sorriso tocasse o canto de minha boca, divertida pela primeira vez com a visita do grupo. Desviei minha atenção da janela e confiei em Betsy para um relatório futuro. Sentei-me diante de minha escrivaninha e comecei a remexer minhas correspondências antigas. A maioria delas era inútil, exceto por uma pequena carta vinda do Norte, onde Alona Manderly me falava do parco contato que havia tido com Cersei, antes de seu desaparecimento.

Por um tempo, ao saber que a Manderly havia se correspondido com minha irmã, cheguei a considerá-la uma suspeita. Mas os tritões não eram famosos pelo jogo sujo. Eram famosos pela honradez, pulso firme e benevolência. Assim, quando recebi uma garantia de Lady Alona, de que não havia feito nada além de alertar a Mestre dos Navios, eu me vi tentada a acreditar. Uma das últimas reuniões de Cersei em Porto Real havia sido com Richard Lannister. Dele sim, eu tinha motivos para desconfiar. Não havia nada que tornasse o leão alguém amistoso aos meus olhos. Mas tive de reconhecer que poucos eram os motivos para que Richard a quisesse morta, a não ser claro, o apoio de Cersei ao rei Daemon Targaryen.

Não procurei Richard, e decidi não vasculhar o Norte em tempos tão complicados. Se Cersei estava lá, eu esperaria por um sinal ou por tempos melhores. Minha casa não estava em conflito direto com o protetor do Norte, mesmo que discordassem quanto ao apoio dado ao saque de Serra, mas procurar os Stark não era uma opção. Li as palavras de Alona mais uma vez, onde ela falava de um perigo vindo do norte da Muralha, do perigo que espreitava o reino através das mãos de um exército sobrenatural.

As histórias nortistas eram como uma maldição. O inverno nos espreitava e mesmo sendo uma descrente, eu não ousava duvidar ou zombar do medo da Manderly. Certamente, Cersei teria feito o mesmo seguido atrás de informações mais consistentes. Só restava uma pessoa com possibilidades de saber sobre o paradeiro de minha irmã mais velha, e era ela outra Lannister. Cyrenna Arryn, viúva do Ninho, curiosamente próxima de Cersei durante os últimos anos de sua vida em Porto Real. Cyrenna não era uma leoa e muito menos uma águia, era uma raposa. Escreveria a ela na primeira oportunidade, sendo gentil porém direta. Peter poderia me considerar louca, ou achar que meus esforços eram tolos, mas enquanto ele negociava uma guerra, eu não poderia me manter inerte.

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Os Baratheon não se preocupavam muito com floreios históricos. Eram tradicionalmente uma casa de ação, não de teoria. E nisso, era complicado admitir, eu me distanciava da família. Eu me via inebriada com cada narrativa das velhas amas, cada detalhe de épocas distantes. Sozinha em meu quarto, eu repassava os nomes que o haviam habitado antes de mim. Meu pai havia enumerado os que lhe vinham a mente, minha tia Ellara, que agora era Lady da casa Redwyne; Shireen, filha de Stannis, durante um curto período; sua mãe, Selyse Florent, enquanto esperava a cerimônia de seu casamento, e Rhaelle Targaryen, pelo mesmo motivo. Rhaelle havia sido a última de sua casa a se unir em casamento a um Baratheon. Filha mais nova de Aegon V, sua união com Ormund nada mais foi que uma sábia manobra de seu pai para por fim ao descontentamento de Lord Lyonel Baratheon.

Em uma das épocas de maior diluição do sangue Targaryen, que conservava o hábito de promover o casamento entre irmãos, príncipe Duncan foi prometido a uma das herdeiras de Ponta Tempestade. Todos os seus irmãos foram comprometidos em diferentes partes do reino, com as casas Tully, Tyrell e Redwyne, mas foi Duncan quem quebrou o pactuado, casando-se com Jenny Oldstone. Lord Lyonel não estava disposto a perdoar e esquecer, então se rebelou contra seu rei e deu início a uma indisposição que anos depois seria revivida por Robert Baratheon. Porém, naquela época, tudo foi resolvido em proveito dos Targaryen, e do casamento de Ormund e Rhaelle nasceu Steffon, de Steffon nasceu Stannis, de Stannis nasceu Shireen e assim por diante.

Colecionando retalhos históricos, eu parti cuidadosamente o papel de carta, amarelado tanto por sua confecção tanto pelo tempo que ficou esquecido entre muitas caixas. Usei a mesma adaga para afiar minha pena, com um corte preciso que marcou a madeira da mesa que usava para apoio. Sorri ao pensar que em vinte anos ou mais, a próxima Baratheon a ocupar aquele quarto fosse olhar para a marca e pensar "Essa cicatriz na madeira foi produzida por Argella Baratheon, filha do grande Lord Devan."

Estendi então o papel diante de mim, molhando a pena em tinta azul escura, pois já havia esgotado meus frascos de tinta preta. Comecei com um cumprimento cordial, usando mais força que o necessário: "Estimada Lady Arryn." Minha amada mãe havia servido como dama de companhia de Lady Arryn durante a juventude de ambas, não eram próximas, mas compartilhavam um laço de sangue. Segui apresentando meus sentimentos sobre seu marido, esclarecendo meu pesar por não ter me manifestado antes. Continuei a marcar o papel me lembrando de Aegon V, sábio era aquele que apaziguava uma guerra iminente com uma manobra que, de tão simples e previsível, é a mais eficaz de todas.

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Quando terminei meus afazeres, uma batida leva na porta chamou minha atenção. Não preciso que eu desse minha autorização para que a serva entrasse carregando nos braços a luz de minha vida. Brienne estava enrolada em uma manta do mais puro azul, e choramingava baixinho no ombro da ama. - Senhora, perdoe-me o incômodo. Ela não quer ficar com as outras crianças. O meistre disse que ela não tem nada, mas fiquei preocupada. - Disse a mulher.

Me levantei com um sorriso sincero e estendi meus braços na direção delas. Como um pequeno filhote de urso, Brienne se inclinou na minha direção e deixou o colo da ama. - Você está ficando muito pesada, querida. Crescendo como pão. - Digo, afagando sua bochecha e usando meu indicador para limpar suas lágrimas. A mais nova dos filhos de Devan tinha agora três anos. Eu me sentia culpada por não dar a ela a atenção merecida, mas Brienne já se mostrava compreensiva como eu jamais havia sido.

Mas havia dias em que ela era o que devia ser, pequena e chorona. - Pode deixá-la aqui, logo a levo de volta ao seu quarto. - Digo a ama, que se apressa para sair. Vou até a cadeira mais próxima e sento Brienne sobre meus joelhos, afastando seu lindo cabelo loiro de seu rosto. - O que quer ouvir hoje? Tenho juntado contos pra você. - Digo, e a pequena parece pensativa. Ela corre as mãos pelo rosto e resmunga algo que entendo como "dragão". Toco a ponta de seu nariz com meu polegar e dou um logo suspiro.

Brienne encosta sua cabeça em meu peito antes que eu comece, ouvindo meu coração e absorvendo minhas palavras. - Antes de nosso pai e do pai dele, muitos anos atrás, havia um garoto de cabelos brancos e olhos lilás, tão belo quanto o pôr do sol por entre as rochas de Ponta Tempestade. Mas, o que chamava a atenção era que aquele jovenzinho lia muito. Sim, todos os livros que encontrava. Ele era filho de um rei poderoso, um rei dragão, que não se importava tanto com a leitura. Mas o príncipe era diferente, pois era muito inteligente e gentil. Quase tão esperto quanto você, querida. Ele tocava lindas músicas e não passava seu tempo como as outras crianças, estava sempre preso em algum pensamento. Seu nome era Rhaegar. Sei que a pronúncia é difícil. Diga: Rhaegar. - Peço, e Brienne me imita como pode. - Rhaegar leu tanto, tanto, tanto, que um dia encontrou um pergaminho perdido entre os guardados de seu pai que falava de uma lenda muito antiga. Curioso, Rhaegar devorou cada linha dele, e se encantou com a história do Príncipe Prometido. Essa lenda fala de um herói que acabaria com as trevas, alguém que guiaria os homens nos tempos difíceis, um cavaleiro de gelo e fogo.

- Então ele decidiu que apenas os livros não seriam suficientes. Ele queria ser o príncipe de que a lenda falava, não queria ser apenas um príncipe dragão. Então se empenhou, treinou até que ficasse com os braços cansados, aprendeu a manejar uma espada muito maior que ele e foi instruído por valentes companheiros, como Sor Arthur Dayne. - Digo, e balanço o punho no ar como se brandisse uma espada imaginária. Brienne sorri e completa. - A Espada da Manhã. -

- Sim, sim. A Espada da Manhã. Ele estava sempre junto ao garoto de cabelos prateados, estava lá quando ele finalmente se tornou um grande cavaleiro, colecionando admiradores e histórias. Poucos eram os que se davam ao luxo de odiá-lo. Ele ainda tocava sua harpa e lia seus livros, mas era também o valente Príncipe Prateado. - Digo. Brienne me interrompe puxando uma mecha do meu cabelo e me olha intrigada. - Príncipe Prometido? - Pergunta ela, fazendo esforço para que suas palavras saíssem como deviam. Penso por um minuto, no tão belo e melancólico Rhaegar e sorrio pesarosa para minha irmã. - Não querida. Infelizmente não. - Digo por fim.

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Quando Brienne finalmente adormeceu, meus braços já estavam dormentes graças ao peso da criança. Nossa mãe ficaria orgulhosa por vê-la crescendo saudável e esperta. Carreguei a caçula até seu quarto, que não ficava a mais de três metros do meu. A ama esperava por ela junto a sua cabeceira, e afastou as cobertas para que eu a deitasse. - Deixe que durma por algumas horas. Algo parece tê-la deixado inquieta. - Digo. A ama acena com a cabeça e se apressa para puxar as cortinas e afastar a luz do sol. Me inclinei para depositar um beijo sob a testa da menina e tomei a direção da saída, encostando a porta com cuidado.

Uma versão antiga de mim mesma teria esperneado diante da ideia de ter outro irmão. Durante a infância, era difícil ter de disputar a atenção dos meus pais com meus irmãos. Era como um eclipse, onde eu não era nem a lua, nem o sol. Cersei estava sempre contrariando os desejos deles, Peter estava sempre sendo tudo que eles precisavam e Annis era o bebê que arrancava suspiros, logo, não sobrava um papel para mim. Eu havia contornado aquilo, mas não podia dizer que não havia sido afetada. Com Brienne era diferente. Ela não era alguém para me reduzir de novo ao papel secundário, ela precisava de mim e eu precisava dela.

Voltei ao meu quarto sem disposição alguma. A comitiva de Torralta certamente se estabeleceria conosco por algumas noites. Era impensável que como bons anfitriões, deixássemos que partissem no dia seguinte, embora a ideia fosse tentadora para mim. Me livrei das botas que calçava com um suspiro, e me encolhi na cama na companhia de um exemplar grande e surrado de um livro comum sobre a genealogia de Westeros. Todos nós havíamos memorizado os pontos mais importantes deles sob o olhar vigilante de uma septã, agora ele era só uma peça de decoração, e as septãs não existiam mais em nossas terras.

Afastei o livro com o pé, com pouco interesse, mas graças a sua teimosia, o objeto se abriu em uma página mais clara que as demais, onde se via os nomes de alguns membros da casa mais poderosa do Norte. O lobo Stark estava no canto da página, seguido por leu lema e o nome de Robb Stark, o jovem lobo. Puxei o exemplar até meus joelhos e olhei com mais atenção os nomes que seguiam, até localizar o nome de Arya Stark.

Arya não era uma completa estranha para mim, tampouco estava distante da vida em Ponta Tempestade. Anos antes, a pequena garota que não queria ser Lady, viu o pai ser morto pelo deplorável Rei Joffrey Lannister, logo fugindo de Porto Real em direção a Muralha. A viagem seria muito perigosa para qualquer garota, então, assim como Danny Flint, Arya se disfarçou e se perdeu entre tantos outros rostos masculinos. Já nessa época, os Starks se tornavam os principais inimigos da coroa. Seu disfarce salvou sua vida, e proporcionou seu encontro com meu avô, Gendry Storm.

Meu avó, bastardo de Robert Baratheon, não vinha de uma história bonita ou uma vida fácil. Ia pra Muralha se tornar um guarda, condenado ao frio eterno. Assim como os outros filhos de Robert, corria um sério risco de morte. Não era aconselhável deixar vivos bastardos do rei morto, quando o seu filho legítimo era acusado de não possuir seu sangue. Foi Arya quem deu ao meu avô a chance de viver, enquanto os soldados Lannister atacavam a torpe comitiva de desafortunados, a pequena Stark apontou Gendry Storm como morto, ludibriando mentes menos brilhantes.

Meu avô falava dela com sincera admiração e saudade, e nas raras ocasiões em que estivemos em sua presença, pude constatar que Arya Stark era tão grande quanto a figura das histórias que ouvia. Ela merecia muitas páginas naquele livro velho e em dezenas de outros mais. No fim das contas, nenhum papel fazia jus a garota que se aventurou por Essos e Westeros sem família, contrariando tudo que se espera de uma doce donzela.

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Deixei que meus olhos vagassem pelas capas surradas de meus livros, até identificar aquele que, de forma muito discreta, possuía um leão gravado em ouro.  Não era uma grande fã do símbolo, e na maioria das vezes ele me causava repulsa, mas era um sinal para identificar o livro falso. Sobre o disfarce estava uma caixa antiga que minha falecida mãe trouxera de Lannisporto. Dentro dela havia apenas um colar antigo, ornado com uma pedra média de obsidiana, que sobrevivera a muitas gerações de Lannisters.

Segundo histórias, o colar havia sido forjado antes mesmo da Guerra da Conquista. Era mais rústico que as jóias que possuíamos em Ponta Tempestade ou em qualquer outra parte do reino. Pertencia originalmente ao patrimônio dos Lannister do Rochedo, mas depois tantos casamentos entre os dois ramos, acabou indo parar nas mãos de minha mãe. Eu o roubara e escondera comigo quando tinha apenas treze anos. Arandora descobriu, é claro, mas não disse nada. Eu o mantinha guardado desde então, sempre pronto para me lembrar de Loren Lannister.

Muitos anos antes, na época de vida dos últimos reis independentes de Westeros, os Targaryen desembarcaram com seus dragões e costumes incestuosos, prontos para subjugar os nativos. Muitos foram os que se ergueram e caíram, e não seria diferente com o Rei da Rocha. Loren Lannister, temendo que suas terras fossem facilmente tomadas pelos Targaryen, como havia acontecido com as Terras Fluviais, se uniu ao rei da Campina, Mern Gardener. Juntos, tinham um exército de cerca cinquenta e cinco mil homens, uma força muito superior aos dez mil homens que Aegon e suas irmãs haviam reunido.

Era uma vantagem clara, que deixou o exército adversário em uma situação crítica. A morte era certa, até que Aegon, Rhaenys e Visenya montaram seus dragões ao mesmo tempo. Foi a primeira vez, desde o início das campanhas militares dos valirianos, que as três bestas foram levadas juntas ao campo de batalha. Juntos, banharam com fogo o exército dos dois reis, matando cerca de quatro mil homens, entre eles o rei da Campina, Mern. Loren, vendo a derrota, se ajoelhou a casa Targaryen e jurou lealdade. Como recompensa, foi nomeado Lord e protetor do Oeste, uma coroação honrosa para um comandante que soube reconhecer suas limitações. Não sabia ao certo de Loren havia colocado as mãos no colar diante de mim, mas gostava de imaginar que sim. Gostava de imaginar que tinha sobre meu poder algo feito em uma época gloriosa, de conquista e sangue, de dor e poder.

Fui tirada me meus devaneios pela porta aberta sem nenhum aviso, um comportamento facilmente repreensível, mas que já era esperado. Guardei o colar no falso livro antes que o recém chegado pudesse vê-lo. Um soldado estava parado na porta, com faces coradas e uma reverência preparada. - Milady, seus homens estão preparados. Sor Connor já anunciou sua partida. - Disse, me lembrando de algo importante, algo que não poderia esperar mais. - Certo. Certo. Estou quase pronta. Avise a Lady Mychella. - Peço, e o homem parte. Os sucessores de rei Mern Gardener e os Senhores da Tempestade eram como um só, entrelaçados como roseiras no jardim. Eu não era uma flor, mas honraria meu papel.

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Eu não sabia até onde alguém iria por quem ama. Mas sabia que não há princípios que dominem o instinto, e que o coração disposto não mede esforços. Eu havia crescido muito desde o Casamento Verde. Havia me revestido com mármore claro e sentimentos obscuros, desistido de sonhos tolos de mocinhas prometidas e esquecido a ideia de partir para as Terras Fluviais. Nesse intervalo, havia cultivado desejos novos, matado os antigos e contrariado a mim mesma ao colocar os interesses de minha casa acima dos meus.

Um sacrifício não deve ser feito pela metade, deve ser feito por inteiro. Quando chorei ajoelhada na sala do trono de Ponta Tempestade, diante do assento que meu pai ocupara por anos, praguejei contra os deuses e fiz uma promessa que por pouco não se perdeu no tempo. Eu seria como metal recém moldado, seria uma lâmina silenciosa e buscaria vingança. Foi com desespero que recebi a notícia da morte do Tyrell traidor, mas foi com curiosidade que comecei a analisar novas alternativas. O irmão de Mychella não era um assassino em potencial, e se eu queria algum conforto, deveria obter respostas de Zakintia, alguém que jamais me diria o que eu precisava ouvir.

Dor, perda e intriga eram coisas as quais todos ficam expostos quando amam. Nos primeiros dias, me imaginei como Aegon ao perder Rhaenys. Durante uma das últimas fases da Guerra da Conquista, quando Aegon era coroado em todos os cantos de Westeros, o seu poderoso exército se erguia contra Dorne. Os senhores de Lançasolar não se rendiam, não se curvavam, e logo um banho de sangue foi promovido em Graçadivina, Tombastela e Toca do Inferno. A primeira Guerra Dornesa, como seria conhecida. Rhaenys, esposa-irmã de Aegon, voava com seu lindo dragão branco, Meraxes, e condenava tudo abaixo dela a morte pelo fogo. Foi então que um tiro de sucesso duvidoso atingiu a besta alada no olho, fazendo com que caísse morta e levasse com ela a sua amazona.

Aegon sofreu como poucas almas eram capazes de sofrer. Das duas esposas, era dito que Rhaenys era a sua preferida. Era inteligente e graciosa, e o conquistador não poderia suportar a ideia de perdê-la. Enfurecido, queimou todas as fortalezas de Dorne com a ajuda de sua outra irmã-esposa, Visenya, movido pela mais cristalina sede de vingança. Foi só quando Nymor Martell subiu ao poder que a paz foi feita. O príncipe mandou uma carta a Aegon através de sua filha, Deria Martell, que levava consigo o crânio do dragão de Rhaenys. Aegon nunca revelou a ninguém o conteúdo da carta, e a queimou assim que terminou de lê-la. Certo é que a vingança foi deixada de lado, e o fogo parou de arder. Tentava tomar o desfecho como influência, uma indicação de que o conflito não era o melhor caminho. Mas de tudo isso, eu só retirava um ensinamento: queime todos.

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