[Quest narrada] The Breakout

      Não havia mais retorno, daquele ponto em diante. Duas auroras haviam se passado desde o meu encontro secreto com Julian Hightower no exterior da Fortaleza Vermelha. Mai cedo naquela manhã, eu havia partido de Porto Real para todos os fins, mas poucos sabiam da notícia. Eu deixara o castelo com uma pequena comitiva Tyrell, Mychella, Nicolas, Peter e nossos servos. O rei permitira minha viagem para a Campina, pois acreditava que eu e Peter nos certificaríamos que Aspen permanecesse ao seu lado. Ele não sabia que eu pretendia traí-lo, e muito menos que eu havia retornado ao castelo sob o manto da noite, com um espião criminoso. Após os meses trabalhando como Mestre dos Sussurros no Pequeno Conselho de Daemon IV, eu tivera de lidar com trama complexas e decisões difíceis. Agora, minha lealdade para com os Baratheon havia sido convocada, e eu teria de trair o dragão pelo bem do reino. Pois sim, eu sabia que R’hllor desejava a união do veado e da rosa, e sabia que em breve Fogo e Sangue varreriam os Sete Reinos. Todas as Grandes Casas então deveriam estar prontas, mas a maioria delas não possuía ouvidos capazes de discernir o aviso que vinha do amanhecer. Os sinais marcados nas sombras projetadas pelo sol. O fim de um verão que durara os últimos trinta anos, segundo as informações da biblioteca real. Westeros era uma terra fértil e próspera, pois não conhecia boa parte da barbárie ancestral que varrera Essos com as ações do Império Ghiscari. E da Cidade Franca de Valíria, que dizimara milhões de vidas com seus dragões, numa era em que o fogo reinava absoluto. Westeros conhecia sim, a carnificina da qual os Filhos da Floresta haviam sido vítimas. Mas com a raça mística já totalmente extinta, não havia ninguém para chorar ou clamar vingança em nome deles. Mas as Terras de Sempre Inverno estariam lá para sempre, lembrando a todos do mal que a humanidade havia feito nascer.

- Lady Zakintia, tudo está pronto. Sor Julian a espera próximo às cozinhas, ao lado da passagem secreta que leva às masmorras. – Luceon Waters parecia focado e tranquilo. Ele era o chefe dos espiões do Trono de Ferro desde que Varys o subornara com doces pela primeira vez. Ele fora leal quando A Aranha trouxera Daenerys de volta para casa, e ainda estava lá trabalhando pelo reino, agora um idoso. Ele havia acreditado em mim por razões que eu mesma desconhecia, ou certamente não teria me revelado seus segredos mais profundos. Ma eu desconfiava de que a mão do Templo de Volantis fizera um acordo com Luceon e seus espiões. Eu só não sabia qual. – Chegar às masmorras será fácil. O verdadeiro desafio será convencer os guardas a deixarem-na passar na companhia de Sor Julian, e enganá-los depois para resgatar a rainha. Havia um alçapão secreto sob a estopa da cama de feno, em cada uma das celas da Fortaleza Vermelha. O fundo falso só se movia, é claro, se alguém acioná-lo por baixo, do outro lado. Infelizmente, este sistema foi corrompido após a fuga de Tyrion Lannister no passado. Preencheram as passagens com rochas e lama.

- Suponho que encontrar uma saída alternativa será a sua tarefa, então? – Indaguei, enquanto fechava o broche de aranha ao redor de meu seio esquerdo. – Ninguém sabe do nosso intuito, Luceon. Não espero problemas para chegar até lá. Posso enganar os sentidos dos homens com algumas ervas de Lys e Myr que mantenho comigo, e talvez isso baste caso algum deles tenha me visto partir mais cedo com a comitiva. Mas sinto que Sor Julian terá de lutar para ganhar tempo até que você destrave alguma passagem secreta que nos tire do alcance dos guardas.

- E então a fuga da rainha se tornará um escândalo, minha senhora. Eles não podem associá-la a isto. Certamente a senhora perderá o seu cargo, e será considerada uma traidora. Tem certeza de que Megga Baratheon vale este esforço? – Luceon parecia inclinado a deixar a rainha fazer sua Caminhada da Vergonha.

- Terei a total confiança de Devan Baratheon caso cumpra este desafio. Toda a rebelião estará em minhas mãos, sob os meus conselhos e sabedoria. É a vontade do Senhor da Luz. Que seja a palavra Dele, através de mim, a guiar os passos de seus escolhidos. – Luceon sorriu. Para ele, a ambição era só minha. Mas de fato, eu precisava submeter minha vontade à do meu Deus. Felizmente, para Waters a cobiça e a frieza eram o caminho certo para qualquer objetivo. – Preciso poupar a rainha desta humilhação. Ela não espera que seja eu a resgatá-la. Megga Baratheon tem certa suspeita sobre mim desde a minha nomeação e a tentativa de envenenamento de sua filha Leana.

- Tentativa esta orquestrada por Kamaris Qhaedar e um aliado secreto em Westeros, para colocá-la no Pequeno Conselho. – Lembrou-se Luceon, cruelmente bem humorado. – Suponho que a rainha cervo tenha boa intuição, afinal. Uma pena ela não ter visto a conspiração dos leões para tirá-la do poder.

- Uma pena, de fato. – Concedi, indiferente. As intenções Lannister ainda me eram uma incógnita. Qual era afinal, o objetivo deles com aquela armação? Acelerar a rebelião e aproximar-se do Trono de Ferro, certamente. Mas como? Daemon era implacável em suas alianças com o lobo gigante dos Stark. Nunca cedera aos pedidos do Rochedo para conceder um de seus filhos em casamento. – Acredito que ouviremos canções sobre Porto Real quando estivermos na Campina, Luceon.

- Oh sim. Deixaremos um sistema de espionagem na Capital, mas confundiremos seus receptores. O seu sucessor encontrará sérios problemas em administrar segredos sobre os quais nada saberá. Toda a rede se mudará para a Campina. Jardim de Cima se tornará o centro dos segredos, dos Sete Reinos. – Ele parecia ansioso para garantir que não me abandonaria após a partida para a Campina. A verdade era que mesmo que ele não dissesse nada, eu sabia que Luceon não mudaria de lado. Ele queria o caos. Apenas porque desejava ver o mundo desprezível que fora obrigado a contemplar na escuridão, arder. Alguém criado como ele fora, certamente tinha uma visão peculiar da existência. Orfão, depois passarinho. Capaz de matar desde a idade mais tenra. Alguém implacável em eliminar vidas como peças de cyvasse. E no momento, eu era a sua peça mais importante.

      Por entre as veias tortuosas da Fortaleza Vermelha, nós descemos. Na escuridão, eu podia sentir o solo úmido através de meus sapatos negros de tecido. Uma grossa lã carmesim envolvia o meu corpo, com um capuz de algodão negro por sobre os ombros e rosto. Os tecidos densos serviriam para abafar os meus sons, e para transmitir um caráter oficial de minha figura. Afinal, eu trajava as cores Targaryen e meu broche de rubi cintilava com os assuntos oficiais que eu trataria com a rainha, em nome do rei. É claro que a madrugada já ia alta, então certamente haveria resistência. Mas eu lembrava-me das algumas de retórica da Dama Azul, e sabia que possuía a força de vontade alimentada por R’hllor, para enganá-los. De meu bolso interior, sob a capa, tirei o pequeno frasco com óleo de rosas, lavanda e mel. O líquido adquirira coloração dourada e possuía um aroma doce e agradável. Removi a rolha e toquei a ponta do dedo em seu líquido espesso. Passei sobre os lábios, que ficaram pegajosos e quentes. Depois, toquei cada lado de meu pescoço com a essência, e a senti atravessar meu interior como um estimulante.

 - Pelo Coração Flamejante, que minha chama sagrada acenda as labaredas dos homens em meu caminho. Que suas mentes aspirem fogo e clamem o meu nome ao tocarem seus olhos na serva do Fogo e da Sombra... – recitei em voz baixa, repetindo o mantra em alto valiriano enquanto caminhava próxima de Luceon. O rubi em minha garganta latejava conforme eu caminhava, e eu podia sentir o cheiro de mel e rosas se propagando ao meu redor. Até mesmo a respiração de meu servo parecia acelerar, enquanto ele tentava ignorar nossa proximidade. – Chegamos? - Inquiri quando paramos de andar, sussurrando sorrateiramente.

- Sim, m’lady. – Ele bateu três vezes na parede à sua frente, e um fundo falso moveu-se para o lado, revelando o rosto de Julian. – É aqui onde os deixarei até o próximo ponto de encontro, minha senhora. Sor, siga Lady Zakintia até as masmorras. Eu os encontrarei do outro lado, no segundo corredor adjacente à cela da rainha. De lá, Sor Julian poderá levá-las até o acampamento da Comitiva Tyrell nos arredores da cidade. – Ele desapareceu rapidamente, eficiente. Abri espaço para que o Senhor Comandante da Guarda Real completamente armado entrasse na passagem secreta, e puxei para mim o fundo falso. Respirando profundamente, troquei um olhar significativo com meu aliado, cobrindo os lábios com o dedo indicador para que ele ficasse em silêncio. Então puxei a tocha que ardia na parede, liderando o caminho.

   Havia feito todo o caminho até as Masmorras da Fortaleza Vermelha por mais de quinze vezes, nos últimos dois dias. Agora que nossa investida era definitiva, contudo, tudo parecia mais difícil e assustador. Tensa, concentrei-me para memorizar o caminho, pois não poderíamos nos dar ao luxo de perder o rumo. Continuei murmurando minhas orações valirianas pelo caminho, até divisar a porta marcada com uma chama negra, que eu desenhara um dia antes, para reconhecê-la. Espalmei a mão sobre a pedra polida, deslizando-a até alcançar a reentrância em sua lateral. Fitei o rosto de Julian, com a tocha ardendo sobre nós, e comprimi os lábios. Aquele momento era o ponto de partida e de finalização, unidos em um. Era a curva sem retorno, mas também o início de algo muito maior. Eu não havia escolha. Quando fechava os olhos, ou encarava as pequenas labaredas que ardiam, podia ouvir os sussurros do Senhor da Luz. Para o bem ou para o mal, aquele era o meu destino.

- Valar Morghulis. – Recitei, antes de empurrar a minúscula alavanca que nos deixaria nas Masmorras, dois corredores antes da entrada.