[RP Aberta] A Agonia dos Corvos

The Young crow

Practice and Stay strong

Era manhã e o sol tímido tentava abrir espaço em meio as espessas nuvens que preenchiam o céu aquele dia. O frio era intenso, afinal o inverno havia chegado, e na noite anterior nevara uma violenta tempestade que trouxe um pouco da desgraça que o inverno trazia, assolando parte do porto de Atalaileste do mar com as pesadas camadas de neve sobre a pútrida madeira do cais. Alguns corajosos homens acordaram cedo aquela manhã para dar tento aos danos, eram poucos mas consideráveis, o contingente do Castelo era reduzido e pouquíssimos homens estavam afim de trabalhar logo cedo. Mas era pra isso que servem os recrutas...como eu.

Fui acordado aos gritos por um homem, dizia que o Primeiro Construtor da Patrulha da Noite havia informado que era para todos os recrutas que ainda não tinham desígnios no castelo para ajudar na reconstrução do Cais na Baía das Focas. Claro, em minha posição não tinha como reclamar nem me dar ao luxo de escolher outro desígnio, que caminho trilharia um garoto da minha idade sem família, sem casa ou um pedaço de terra, senão a patrulha da noite? Teria que fazer de tudo o possível para não ser rejeitado pelos Corvos - como eram chamados - e além de tudo tentar permanecer vivo em minha estadia no Castelo Negro, que quisera eu fosse duradoura.

Em poucos minutos já estava pronto, o uniforme negro da patrulha, casacos espessos de pele de algum animal, talvez fossem lobos ou ursos, botas de couro grosso para que o vento gelado não congelasse meus pés, pelo menos estava protegido do frio - um pouco. Percorremos o longo caminho do Castelo Negro até Atalaileste do Mar, éramos em 9 recrutas, todos jovens, alguns nem tanto e com cara de poucos amigos. O da minha frente se chama Mark Ryer, um homem de aproximadamente 30 anos, um rosto alongado e cheio de cicatrizes, sua sobrancelha era grudada uma à outra e seu olhar era amedrontador por si só, mas tinha ido com a minha cara.

— Esses filhos da puta… Por que tão cedo foram acordar a gente? Filhos da puta! Eu juro que ainda mato um, moleque, ainda mato um. - Até onde seu juramento fosse verdadeiro eu não sabia, mas não ia pagar para ver e tampouco me arriscaria a duvidar das capacidades dele. Após alguns minutos de extensa caminhada chegamos ao castelo. O frio era cruel conosco, e na parte baixa próxima ao mar parecia ainda mais mortal e arrebatador.

Fomos encaminhados em fileiras até a parte externa do grande Castelo, no cais onde ficava o pequeno porto do lugar, a Baía das Focas possuía uma paisagem muito bela, meus olhos estavam maravilhados com tudo aquilo, a neve posta sobre o solo que um dia era preenchido por verdes gramas saudáveis, e olhando o Horizonte era possível imaginar a imensidão que seria o Mar Estreito, mar este onde nunca tinha ido. Um construtor nos aguardava, ruivo e robusto, empacotado em seu grande casaco de inverno parecia um urso enorme urso empacotado, ao seu lado alguns montantes de madeira, serras, muitos martelos e muitas ferramentas usadas e velhas das quais eu nunca tinha visto. Logo o homem deu-nos as instruções, seria um serviço braçal pesado, e pelo rosto dos outros recrutas eles não pareciam felizes com a notícia.

....
A parte do cais que estava danificada necessitava de alguns reparos pequenos, um pouco de madeira nova e umas marteladas. Porém, por votação resolvemos que nos alternaríamos entre aqueles que entrariam na água para reparar o pequeno cais e aqueles que cortariam as madeiras. Por enquanto meu turno era de cortar as madeiras. Mark assobiou para mim, cortando o silêncio dos novatos tímidos da patrulha, me aproximei daquele homem misterioso que segurava uma enorme Serra com duas pegadas, bem abaixo dele algumas madeiras retangulares. — Me chamou?

— Sim, me ajuda com isso aqui. Vamos serrar essas madeiras aqui, levar até a ponta do cais. De cima vamos retirar as madeiras podres que ainda estão pregadas, pra facilitar pra gente mesmo quando trocar de lado, entendeu? O cais é pequeno, só precisa consertar a parte da ponte, coisa besta, já fiz reparo em coisa maior que isso aí, esses merdas preguiçosos, por isso essa muralha é essa bosta. Coloca uma madeira em cima da outra e prega no encontro entre elas, até você ver o prego atravessar e as madeiras grudarem. Simples. Coisa Básica,

Não o respondi mas consenti com a cabeça. Segurei o outro lado da serra enferrujada, parecia fácil na teoria mas a merda da madeira não cortava do meu lado. Mark Ryer puxava do lado dele com força, eu tentava puxar para o meu lado com toda minha força, mas pareceu não ter tanto efeito. Após algum tempo serrando conseguimos partir algumas toras de madeira cortadas dos dois lados, deixando elas - ainda que tortas - usáveis para reparar a ponte, não havia tempo para lixar ou deixá-las retas e perfeitas. Seguramos os dois pares de madeira cada um, com dificuldade levei até a beira do cais e lá os joguei ao chão.

Agachei perto da ponte do cais e com o martelo fui quebrando as madeiras podres cheias de neve, algumas eram mais resistentes e era preciso mais força. Assim que a ultima madeira podre caiu, peguei as novas peças as apoiei nas que ainda conseguiam ficar de pé na ponte, coloquei a ponta de um grande prego sobre a madeira e bati a primeira martelada, como Mark me falou… sem efeito. O eco das batidas que vieram a seguir ecoavam pela Baía das Focas, mas logo as madeiras estavam grudadas uma à outra, e depois mais marteladas para firmar. A segunda foi ainda mais fácil, apoiei sobre a madeira recém colocada e coloquei o prego por cima, martelei com certa força, a pegada era estranha, sentia o impacto em minhas mãos, ela doía. Quanto mais eu batia, mais sentia o peso do martelo, dessa vez o prego parecia não passar de uma madeira para a outra. — Coloca força nesse braço, moleque! - Balbuciou Mark Ryer ao me ver com dificuldade. Confesso que força não era meu ponto positivo, mal tinha músculos e meus braços eram finos, não tinha nenhuma experiência com o que estava fazendo, porém para mim daquele jeito parecia melhor… Era a vida de recruta.

Aos poucos os reparos eram feitos, o prego de ferro havia entortado mas estava completamente atravessado na madeira, o cais havia de aguentar o tranco. Levantei-me com o suor escorrendo pelas axilas por baixo das vestes de pele, o calor tomava conta do meu corpo, mas o frio gélido dos ventos que sopravam do oeste congelavam meu rosto de tal forma que não era possível mais sentir o meu nariz. Cena trágica. Voltei até os pedaços de madeira que faltavam serem serrados, e mais uma vez eu e aquele rapaz enigmático serrávamos em conjunto o grande tronco de pau-brasil, árvore esta que possuía um tronco mais fino e largo, perfeito para a serraria.

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A madeira fina e maleável do pau-brasil, também conhecida como “madeira vermelha” por algumas pessoas, era perfeita para aquele tipo de construção. Resistente e aguentava o contato frequente com a água, as ondas violentas que vinham do mar atingiam a madeira do cais com força e era necessário as bases de sustentação do cais resistisse às intempéries. O barulho contínuo das madeiras serradas e dos golpes dos martelos tomaram conta do local, os patrulheiros já não estavam mais por ali checando o serviço dos recrutas e tampouco tinham medo que fugissem, era surreal pensar que fugiriam a pé pelo mar.

De onde estava era possível ver a imensidão da Muralha, as camadas grossas de gelo que era composta, jamais tinha visto algo tão enorme quanto, imaginei o trabalho que daria construir a Muralha do zero. — Presta atenção, bastardo! - Meus pensamentos eram quebrados pela voz grossa de Mark a me xingar, despertando-me dos devaneios. A madeira já estava quase serrada, as raspas da madeira voavam com a lâmina da serra castigando o tronco. Uma vez que esta era a última madeira a ser cortada depois de tanto esforço, pelas minhas contas já era quase meio-dia, e logo pararia de trabalhar para almoçar.

Sentado no fim do cais com a madeira apoiada na grande estaca vertical que era cravada no fundo do mar para sustentar tábuas, coloquei o primeiro prego e bati com força. O impacto do martelo já não incomodava tanto, minha mão aos poucos calejava pelos movimentos repetitivos. Empunhei força ao cabo de madeira do martelo e desferi fortes marteladas na ponta do prego, dava para ver o ferro cravando à madeira, abrindo espaço despejando farelos de madeira. Mais uma vez e o prego afundou outro tanto, afastando uma madeira da outra. Coloquei o joelho sobre a madeira para que ela não se movesse, era mais fácil martelar um alvo parado, assim não afastava uma tábua da outra. Mirei a ponta do prego focalizando totalmente onde queria acertar, levantei o martelo mas não muito, e o desci com velocidade para que pregasse de vez o bendito.  Por fim, com um longo pedaço de corda, amarrei em uma das inúmeras estacas verticais que compunham o cais, dando duas voltas e um nó, levei a corda até o outro lado e amarrei na outra estaca dando o mesmo nó.

Corri todo o percurso do passadiço e vi que o cais não estava irregular como antes, era seguro. Fui junto dos demais recrutas até o “elevador” da Muralha que dava acesso ao caminho para o Castelo Negro, e lá todos fomos puxados para cima - com lentidão - para, enfim, regressar ao pátio.

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