Syndor balançava a cabeça negativamente. À sua frente, uma porção de frascos cheios e vazios, restos de alguns animais - ou pelo menos era isso que aparentavam ser aqueles amontoados apodrecidos -, saquinhos com compostos dentro e muitos livros. Tudo espalhado pelo quarto e, ao passar os olhos por todos os itens, parecia alguma espécie de jogo. A mente ocupava-se em montar combinações com as opções que tinha.
-
É, não tenho o suficiente, merda - murmurou para si.
É claro que foi para si, estava sozinho no quarto, mas por que estava ali? Hospedado numa estalagem que se passava por taberna no andar térreo, o Sem Rosto se recuperava de um trabalho que acabara por ser mais desgastante do que o esperado. Estava cansado. Mas, justo quando descia para tomar uma cerveja, se deparou com uma figura que batia com as descrições de alguém que, tinha de admitir, gostaria muito de encontrar. Era uma mulher responsável por um massacre de um nobre de Volantis. Fosse só isso, não chamaria a atenção de Syndor, mas a forma com que o massacre se deu... Ah, sim, precisava conhecê-la.
Mas como abordar alguém louco (vale lembrar o amigo leitor que isso é o que o nosso herói pensa) como aquela mulher? Veneno! Era só colocá-la sob efeito de algum veneno e assim mantê-la incapaz de atacar qualquer pessoa da taberna. Boa ideia, não? Pois, foi isso o que levou Synd a espalhar todas as suas coisas pelo chão do quarto. Voltemos ao assunto de antes.
Era possível ver frascos arredondados com uma espécie de creme verde claro dentro. Com uma mão, Syndor pegou o frasco e o balançou, colocando-o na frente da única vela que iluminava o quarto. Já era noite, afinal. Enquanto balançava, tentava se lembrar dos efeitos daquele veneno.
"Veneno de Mantícora... Atinge o... Coração."
Não funcionaria. Ela não era uma escolhida e não faria sentido nenhum matá-la ali. Poderia engrossar o veneno e atrasar o feito após a ingestão, mas não diminuiria o efeito, não a tornaria incapaz de se mover nem nada, apenas a daria a benção. E não é isso que queremos, certo?
Um punhado de ervas estavam dentro de um saco. Ao retirá-las, analisou as cores, os aromas e as texturas. Pensou, pensou, mas não conseguiu se lembrar nem se aquelas ervas, quando fervidas em água, teriam algum efeito. Abriu um dos livros com capa de couro e folhas que quase se desfaziam com o passar de páginas, e, entre desenhos e textos, encontrou.
"Chá da lua... Abortivo..."
Também não iria funcionar, eu espero. Não me entenda mal, leitor, mas, por mais que o Syndor seja puro, há vezes em que eu não acompanho a vida dele, vai saber o que ele faz, não é mesmo? Bom, estamos fugindo do assunto novamente. Deve-se dizer que o Sem Rosto folheou todos os livros, de maneira rápida para que não perdesse muito tempo. Pensou em combinações de restos de animais e venenos que trazia, mas nada estava nos livros e seria apenas um jogo de adivinhação. Ou de alquimia. E não era um momento para isso.
-
É, vai ter que ser no papo - de novo, para si.
Achou que era melhor, no entanto, se precaver. Enquanto lia um outro livro, pegou a vela e colocou o frasco arredondado, contendo Veneno de Mantícora, sobre a chama, para aquecê-lo. Ao mesmo tempo, abriu o frasco e jogou um outro composto, um pó de cor roxa e nauseante quando inalado, que havia comprado quando conhecia Volantis. A coloração verde claro do creme não se alterou, e era isso que dizia o livro. Aos poucos, o creme tornou-se mais e mais grosso, ao ponto de que demorava alguns segundos para que ele começasse a se mover após colocado o frasco de cabeça para baixo. Aquilo apenas retardava o efeito do veneno. Na verdade, Syndor nunca usaria aquele veneno em alguém não escolhido, mas serviria como ameaça. E uma gosma molenga como aquela assustava mais do que um creme qualquer.
- Habilidade Treinada:
Venenos
Esse era o plano - às vezes eu acho que o Syndor é louco, mas não contem isso a ele. Guardou o frasco no bolso, recolheu todas as coisas do chão e colocou-as de volta na sacola. Tomou cuidado para não derrubar nenhum líquido e saiu do quarto, já de chapéu na cabeça, como sempre o fazia. Desceu as escadas lentamente, as dores do cansaço ainda o afetavam. O ranger da madeira anunciava a sua chegada. Isso incomodava um pouco, mas não tinha o que esconder. Ou quase.
Viu que a mulher estava sentada numa das mesas do canto da Taberna. Foi até o balcão e pediu duas cerveja. Tamborilou com os dedos na madeira, pensando em como iria começar aquela conversa. Poderia ser tão desconfortável como poderia ser interessante. Tudo dependia da abordagem. Vejamos...
Ao se aproximar da mesa, segurando as duas canecas pelas alças com uma mão, vislumbrou a mulher. Era bela com cabelos castanho escuro e um pouco molhados da chuva que aterrorizava a terra lá fora. Retirou o chapéu ao se abaixar para sentar. Colocou as duas canecas na mesa e ofereceu uma delas.
-
Boa noite - e se sentou.
Tentou trocar olhares com a moça para ver se deles descobriria alguma coisa. Poderia confirmar a loucura, poderia ver alguma razão para o massacre, qualquer coisa. Os olhos dela pareciam dizer muito. As expressões de seu rosto quase denunciavam que ela não era daquela região. Não dava para ter certeza nenhuma, no entanto. Tinha de esperar.
-
Não pude pude deixar de notar, quando vi que as descrições da responsável pelo massacre de Bryorth batiam com as suas, tive que vir aqui. - após dizer o nome do nobre com alguma ênfase, deixou a cabeça tombar levemente -
Oh, não se preocupe, essa informação não se espalhou, eu é que me esforcei muito para descobrir isso, acho que até demais. Será que valeu a pena tanto esforço para te encontrar? - sorriu -
Mil perdões, sequer me apresentei. Chamo-me Sȳndor. - de repente, disse o nome numa pronuncia diferente da qual se comunicava, quase como se estivesse em outra língua.
E colocou o chapéu na mesa. Era bom, finalmente, encontrá-la, mas até quando?