[RP FECHADA] RETURNING TO THE CRADLE

– “ Diga as palavras que lhe pesam o peito, e antes que esse dia termine, matarei todos os seus inimigos.” – Li em voz alta, sentada em uma mesinha rústica e de pouco bom gosto, enquanto a Septã me avaliava como um abutre. Entrávamos em nossa terceira hora de estudos e eu já sentia meus ombros exaustos.  Era exigência de Lady Cora que eu me esforçasse ao máximo para me tornar uma mulher completa antes do casamento, e a notícia de que a Fé havia sido expulsa da Campina só a deixou mais empenhada, fazendo com que eu lesse sobre os Sete ao menos quatro vezes por semana. Queria tranquiliza-la dizendo que eu não corria risco de ser contaminada com a nova religião de minha casa e que já sabia o suficiente sobre a Donzela, mas com o tempo, passei a não me sentir no dever de dar qualquer paz àquela mulher. O corpo de minha mãe esfriava e apodrecia na Campina sem que eu tivesse tido a chance de pôr os olhos sobre ela uma última vez, e sempre que me lembrava disso, era como se ela morresse de novo, de novo e de novo. Jamais perdoaria minha futura sogra por ter me impedido de ir. Até meus últimos dias.

– Quem disse essas palavras, mocinha? – Perguntou a Septã de meia idade, que cheirava a sabão barato e mofo. Levantei os olhos com receio, sendo despertada de meus pensamentos. –Gowen Baratheon para Tya Lannister em seus votos de casamento. – Respondi, mal reconhecendo minha voz sob aquela pesada névoa de tédio. Ela me deu um aceno satisfeito em resposta e começou a andar pela sala. Ela fazia muito isso, como em uma inquisição, e me irritava muito. – Já que falamos de Baratheon, voltemos à Rebelião de Robert. Mais especificamente ao saque de Porto Real. – Ordenou ela. Havíamos passado por aquele capítulo sangrento tantas vezes que eu mal podia contar. Era como se ela quisesse fixar em minha mente a vitória que os Lannister garantiram naquele dia, a importância deles no desfecho que mudou o destino dos Sete Reinos. – Senhora...já discutimos isto ainda essa semana. Podemos dar enfoque a outro ponto? – Pedi, antes que pudesse controlar minha língua insolente. A mulher me olhou espantada e revoltada com a minha resposta. – Que ousadia! Uma Lannister deve conhecer bem o seu passado glorioso! – Rugiu ela, fazendo-me suspirar. – Eu não sou uma leoa, Septã. Eu sou uma rosa. – Lembrei-a, apenas a deixando mais furiosa. – Aqui dentro você é o que eu disser que é. – Respondeu ela com rispidez. – Agora. Saque de Porto Real! –

– Tywin Lannister liderou o extermínio da família do Rei Louco. Após trair... – Comecei, mas me contive, temendo que a Septã gritasse comigo por insinuar algo desonroso a respeito dos senhores do Rochedo – Após provar sua lealdade a Robert matando o próprio rei, executou o filho pequeno de Rhaegar frente aos olhos de sua mãe...antes de... matá-la. A princesa Rhaenys foi encontrada debaixo da cama de seu pai e morta, depois... os corpos foram oferecidos como prova de fidelidade dos leões, evolvidos em seus mantos vermelhos e depositados aos pés do trono. - Digo, tomando cuidado para não falar do estupro de Elia Martell. Conhecia bem aquela história, ela estava em praticamente todos os livros de Jardim de Cima, associada aos fatos que levaram o avô de  Berthram a se unir a Margaery Tyrell. A Septã me olhava esperando por mais, porém, me mantive em silêncio.

– Vejo que insiste em destacar a violência. Violência que foi necessária, é claro. Então...vamos tentar de novo. Quem era o Rei Louco? – Perguntou ela, se aproximando o suficiente para que o seu hálito atingisse meu rosto. Pensei antes de falar, formulando a resposta que ela queria ouvir. - Aerys II. Um homem com perturbações e devaneios de fogo e sangue. Na juventude bonito e amável, e em seus últimos dias cruel e paranoico. – Disse sem qualquer emoção. Ela sorriu satisfeita com a resposta que deveria servir de justificativa para as vidas que os Lannister haviam tirado por traição naquele dia. Então se preparou para mais uma pergunta, mas antes que ela pudesse prosseguir com meu castigo, a porta do recinto se abriu e um criado nos interrompeu trazendo uma mensagem de Lady Cora. O jovem era franzino e tímido, e sua voz fina quase feria meus ouvidos. Pelo pouco que consegui compreender um mensageiro de Jardim de Cima acabará de chegar. Me levantei com um salto e com um sorriso quase insano em meu rosto. – Posso me retirar, Septã? – Pedi em tom submisso. – Claro, senhorita. - Respondeu ela, palavras que eu mal pude ouvir, pois já me encontrava no caminho até a porta por onde o criado havia desaparecido, correndo com uma criança.

HABILIDADE TREINADA:

O ambiente que encontrei não era nada animado. Não havia sinal de Lady Cora ou qualquer outro dos Lannister e o mensageiro, que acreditei que seria recebido com festa, estava de pé no hall vazio ostentando o símbolo Tyrell em suas vestes.  Caminhei na direção dele certa de que minha futura sogra não considerava aquela reunião a sós imprópria. – Por qual nome o senhor atende? – Perguntei após sua atenciosa reverência. O homem me abriu um sorriso tímido antes de responder com uma voz tranquila. – Sou Onoris de Vilhavelha, Milady. Um fiel servo de vosso pai. - Não me lembrava de seu rosto, mas em todo aquele tempo longe de casa, era natural não conhecer mais alguns detalhes.

– Veio pela minha mãe? – Perguntei, sentindo minha garganta apertar pela simples lembrança. Papai certamente não estava contente com minha inércia, mas a decisão sobre aquilo nunca esteve em minhas mãos. – Meus pêsames, senhorita. Toda a Campina chora sua perda. – Disse o criado em apoio. – Mas não foi para isso que fui enviado. Como deve saber, vosso pai se casará novamente. – Informou ele. Recebia cada dia menos correspondências, mas as palavras de Eleanor e Mychella sobre Zakintia de Asshai eram as que eu guardava com mais zelo. Não sabia que opinião formar sobre a Mestre dos Sussurros, mas não seria egoísta o suficiente para desejar que meu pai vivesse sozinho pelo resto de seus dias. Minha irmã não a via com bons olhos, mas jurei pra mim mesma que faria meu julgamento sozinha, quando pusesse meus olhos em Zakintia.

– Ele e Lady Zakintia desejam minha presença? – Questionei. – Certamente, Milady. Acabo de entregar uma mensagem dele à Lady Lannister, e logo a senhorita estará partindo comigo e uma pequena comitiva do Rochedo. – Disse ele. Desejei saber que tipo de pesos Lady Cora usava em sua balança de consciência. Seria um casamento mais importante que um enterro? O que teria mudado? Como meu amado pai teria reagido? Havia tantas coisas que eu desconhecia. Era como se eu estivesse imersa em um mar ignorância pelos últimos dois anos. – Diz isso a sério, Onoris? – Perguntei sem conseguir conter minha voz embargada e algumas lágrimas que já caiam pelo meu rosto. – Sim, Milady. É hora de ir pra casa.

Tudo estava devidamente organizado e acertado em menos de três horas. Lady Cora certamente esperava que meu pai chamasse por mim, então tudo já estava encaminhado antes mesmo de o mensageiro chegar ao rochedo. Eu, é claro, não havia sido informada sobre nada. Evitei me ressentir sobre isso enquanto separava meus melhores vestidos. Resolvi deixar algumas peças mais pesadas em meus aposentos pois, como fiz questão de lembrar com amargura, sairia dali apenas para as festividades do matrimônio de Lord Aspen e retornaria em seguida.

Ao fim minha carruagem estava carregada com quatro pesados baús. Duas damas de companhia das Terras Ocidentais foram incumbida de me acompanhar, já que obviamente não poderia levar Septã alguma. Elas eram cerca de dois anos mais velhas que eu e pareciam muito animadas com a oportunidade de conhecer a Campina, mas qualquer excitação delas não poderia ser comparada com a minha. Minhas mãos coçavam e meu estômago revirava apenas com a ideia de que em alguns dias eu estaria cruzando novamente os portões de Jardim de Cima. Tortura foi tentar parecer triste com a minha separação dos Lannister. Ensaiei várias vezes minha despedida de Lady Cora, garantindo que as palavras ‘’pesar’’ e ‘’saudade’’ aparecessem vestidas com a mais convincente sinceridade.

Berthram não apareceu para me dizer adeus. Parte de mim lamentou muito. Eu já havia me acostumado a ele e esperava que ele também tivesse se afeiçoado a mim, mesmo que minimamente. Mas não poderíamos esperar por ele. A tarde já ia embora quando a carruagem começou a sacolejar para fora do Rochedo, enquanto eu e minhas companheiras acenávamos um lenço branco pela janela, dizendo até logo aos que ficavam para trás. Conosco seguiam os estandartes Lannister e alguns de seus bons homens, uma lembrança de onde eu verdadeiramente passara a pertencer.

ENCERRADA