[RP Flashback - Fechada] Is there anybody out there?

Os dias passavam com uma vagareza assombrosa. Havia pequenos problemas estruturais a serem resolvidos, e aos poucos toda a agitação que tomara conta de nossas vidas era esquecida por nobres e plebeus. Com certa relutância, Peter me aceitara como conselheira, talvez por considerar que fosse necessário que me ocupasse com alguma coisa para evitar a loucura. Devia isso a influência de Mychella, já que Peter teria preferido pegar em armas contra mim a me aceitar em seu conselho, não fosse pelas gentis palavras de sua esposa.

Peter não me perdoara pelo laço desfeito com os Tully e Correrrio, e não escondia seu desagrado. Porém, conforme o tempo passava e conspirava ao meu favor, meu irmão gêmeo se mostrava cada vez mais disposto a ignorar minha falha. Eu sabia que, lá no fundo, ele entendia. Eu não amava Edmure, e era pouco provável que um dia viesse a amar. Quão diferente teria sido o mundo se Lyanna Stark tivesse se resignado com o noivado com Robert Baratheon? Quão simples teria sido a história dos Sete Reinos?

A bela e jovem Stark era dotada de teimosia e temperamento forte, capaz de manejar uma espada com maestria, caso seu pai houvesse permitido. Fora prometida ao meu antepassado, Robert, ainda muito cedo, e morta não muito tempo depois. Robert a amava com todo seu coração e alma, mas Lyanna não correspondia a esse sentimento com a vastidão apropriada. Não acreditava num futuro com Robert e tampouco julgava que o filho de Steffon se tornasse um marido fiel.

Mesmo com boas intenções e bom berço, o Baratheon carregava com ele uma reputação leviana e trejeitos que não convenciam a herdeira Stark, mesmo se tratando de um grande amigo de seu irmão, Ned. Foi então que o belo e casado príncipe Rhaegar surgiu. Rhaegar era melancolia, beleza e mistério personificados em um único homem, e logo foi envolvido pela pequena loba do Norte.

Não foi preciso muito para que Rhaegar supostamente a raptasse. Ele tinha influência e poder, mas estava preso a um casamento sem amor com a princesa de Dorne. Pouco poderia ser feito de forma legal, e muito foi feito de forma torta, mandando milhares para uma morte na guerra. Não havia outro homem em minha vida, tampouco eu era dominada por ímpetos rebeldes, mas era doloroso pensar no destino que meus pais haviam tecido para mim.

Confabulava sobre isso na solidão me meus aposentos, enquanto selava algumas cartas, até que uma batida na porta me roubou de meus pensamentos, e logo uma criada começou a falar no corredor - Lady Mychella pede que vá até ela, minha senhora. Ela se encontra junto a pequena Lady. - Anunciou. Eu respondi um com um resmungo e deixei o que estava fazendo. Limpei os dedos na saia de meu vestido, e tomei o caminho do quarto de Joanna, minha sobrinha.

Mychella costumava passar muito tempo com os filhos, mais do que o esperado de qualquer mulher de sua posição. Apressei meus passos e logo afastei a porta do aposento lentamente, temendo acordar a criança. O sol já ia embora, mas Mychella parecia não estar consciente disso, parecia preocupada, envolta em pensamentos infelizes. Franzi o cenho antes de me anunciar. - Pediu que chamassem, irmã? Algum problema? - Pergunto, me aproximando do berço de Joanna. - Estava cuidando dos últimos detalhes da reunião de Peter e Dondarrion. Uma tarefa medonha, se quer saber. - Digo, ocupando um assento próximo a minha cunhada, analisando as suas feições com sincera preocupação.

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Ouvi as palavras de Mychella com atenção. Peter certamente não conhecia seus planos, pois seria irredutivelmente contra minha saída em campo aberto. Por outro lado, a situação de Tarly despertava minha curiosidade. Mychella os tinha em alta cota, e mesmo que eu me opusesse aos conflitos que o casamento dela com meu irmão trazia para nós, eu não podia me manter neutra. Acenei afirmativamente enquanto ela falava, deixando claro desde já que concordava com o que fosse pedido.

Os Tarly haviam sido desde sempre uma casa muito honrada. Não havia traidores entre os de seu sangue, eram sempre os primeiros em batalha. Mas agora, o bom senso havia pesado na decisão de seu Lord. Haviam vidas a ser poupadas com o deslocamento, e ele havia escolhido dar as costas para sua terra em benefício do sangue de sua gente. Isso era bem mais do que Randyll Tarly havia feito em sua época. Randyll era um militarista por natureza, não admitia falhas e não tolerava qualquer coisa que classificasse como fraqueza. A sagacidade Tarly é sempre acompanhada pelo gênio forte e pela intolerância, o que faz deles eternamente fiéis aos que são dignos.

A vida lhe deu bons filhos, mas Randyll não soube aproveitá-los como devia. O primeiro deles foi Samwell, que no futuro se tornaria uma das figuras mais proeminentes de Westeros e conselheiro do Rei Jon, mas que na infância foi hostilizado e depreciado pelo pai de todas as formas possíveis. Randyll não queria um leitor e apreciador de música, queria um soldado. Por isso ficou mais que feliz com o nascimento do segundo herdeiro, a ponto de livrar de Samwell na primeira oportunidade, mandando o gordo e desajeitado Tarly até a Muralha. Randyll deu uma escolha ao filho, vestir negro ou cair de seu cavalo de forma curiosamente acidental durante uma caçada. Samwell escolheu a Patrulha, o que acabou fazendo dele uma pessoa muito melhor do qualquer habitante de Monte Chifre.

Mychella queria salvar o nome dele e eu a apoiaria. - Estou mais que surpresa, mas sabe que farei o necessário por meu sangue. Farei o que puder para garantir o sono tranquilo de meus sobrinhos, minha querida. - Garanti. O êxodo já estava acontecendo longe dali, e precisávamos ir em socorro dele. - Peter não aceitou me fazer sua general, mas isso não quer dizer que eu não possa me autointitular da forma que achar melhor. Me unirei a casa Swann com cerca de duzentos homens, se é o que deseja. Traremos essas vidas inocentes até um lugar seguro.

Esperei até que Mychella terminasse seu escrito e capturei o pergaminho novo com cuidado. Ainda usava meu vestido bordado e mais parecia uma donzela pronta para um recital, mas não era nada que não pudesse ser resolvido em poucos minutos. - Vou buscar meu arco. - Respondi com um sorriso diante de sua última colocação. Me adiantei até elas e beijei a testa de minha sobrinha, fazendo o mesmo com Mychella. Lancei a mulher um último sorriso, me recusando a dizer adeus, e deixei o quarto com minhas ordens.  

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Junto a porta do quarto de minha sobrinha, já preparada para começar a viagem, fui parada por Meistre Ypen. Não conseguia pensar no que seria o envelope, mas fiquei contente ao ver que trazia o brasão Arryn. Notícias, finalmente. Me despedi do meistre com um aceno e fui até meu quarto, abrindo o pergaminho com os dedos trêmulos. Talvez ela falasse da morte de Cersei, talvez trouxesse notícias ainda mais odiosas, mas eu precisava daquelas palavras como um homem precisa de água no deserto. Fechei a porta atrás de mim e comecei a devorar as frases. Infelizmente, Lady Arryn não sabia muito sobre Cersei. Exceto que minha irmã havia vivido com ela por alguns meses, oque me surpreendeu.

Cersei não confiava com facilidade, e era admirável que uma Lannister tivesse alcançado tal privilégio. Em especial por não serem confiáveis, em absoluto. Desde Lann, o Esperto, toda a casta dos leões do Rochedo estava impregnada com a mais vil das inteligências. Muitos eram os contos sobre o fundador da Casa Lannister, e de como, assim como Robert, usurpou algo que não lhe pertencia. Lann era um aventureiro vindo do Mar Estreito, um ândalo sagaz atrás de uma boa aventura. Ele a encontrou junto à Casa Casterly do Rochedo, chefiada por um Lord sem filhos homens, ou assim contava minha velha ama. Em outros histórias, todos os filhos homens haviam sido devorados por leões de Lann.

Durante minha curta vida, havia escutado diferentes versões sobre como Lann havia se infiltrado e tomado para si tudo o que um dia pertenceu aos Casterly. Mas de todas elas, entre os contos mirabolantes sobre como Lann engravidou todas as filhas do Lord, minha favorita era a mais obscura delas. Quando chegou ao Rochedo, Lann se manteve oculto, e acabou descobrindo um jeito de entrar na propriedade da poderosa família governante, uma passagem secreta que lhe deu acesso a todos os cômodos da casa. Uma vez lá dentro, entre os inocentes Casterly, o ândalo passou a sussurrar junto aos ouvidos adormecidos, preparando ciladas, jogando irmão contra irmão e uivando pelos corredores de Casterly Rock como um verdadeiro demônio.

Lann teria orquestrado a queda da família de dentro pra fora, incutindo neles um pavor e uma revolta que os fizeram partir. Ao meu ver, Cyrenna havia feito o mesmo no Ninho de Águia. Mas a diferença é que ela havia sido convidada a entrar, não precisara de nenhuma porta secreta. Bebi de suas palavras e fiquei curiosa quanto ao seu alerta. Lady Tarth era sobrinha de Damon Arryn, muito respeitado entre nós, mas não poderíamos levar isso em consideração caso as suspeitas de Cyrenna fossem verdadeiras. Quem melhor que um leão para reconhecer outra fera ambiciosa? Manteria-me atenta.

Ao fim da carta, tive a confirmação de que Cersei voltara ao Norte. O motivo era quase impossível de se definir. Ela tinha estado lá a mando do rei, mas não conseguia pensar em um regresso. A não ser que algo tivesse acontecido lá. Juntei as peças do quebra cabeça de Cyrenna com uma facilidade inesperada. Ela havia arranjado as palavras no decorrer da carta, e não me vi em dúvida por um momento sequer. Seja lá o que fosse o presente, eu sabia onde encontrá-lo. Só precisava roubar um dos navios de Peter, o que havia feito muitas vezes antes. Fechei o papel com cuidado e sorri como uma criança tola. Cersei havia deixado algo pra trás, e logo eu o teria comigo.

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