[RP Fechada] {Flashback} Echoes and Sounds

Aquela foi a época mais sofrida de Daaren, mas ele não passou por ela sozinho. Na verdade, ele possuía um único amigo - que sequer era uma pessoa, o que era tanto um alívio quanto algo a se estranhar. Diaval era um corvo de uma pelagem completamente negra, e durante a época em que permaneceu em Volantis, era o único em quem podia confiar.

Volantis era uma cidade escravista, pelo que ouvira falar desde sempre, e isso era motivo o suficiente para deixar o jovem rapaz apreensivo com o que fazia. Nunca ficava em um mesmo canto por mais do que uma semana, porque tinha medo de ser observado e sequestrado para enfim ser novamente vendido como escravo. Seu maior medo, entretanto, era ser achado por Cassim, seu ex-mestre, e era essa a principal razão pela qual Dois não frequentava o porto - onde ficavam os navios e, consequentemente, os mercadores de escravos.

Enfim, embora vivesse clandestinamente naquele lugar, ainda não tivera uma vida relativamente estável para perceber que a sua situação era extremamente precária. Ele não sentia dó de si mesmo principalmente porque não sabia como ficar melhor - a sensação de liberdade ainda corria por suas veias como que em êxtase. Apesar de ser nômade, então, o jovem Dois teve os artifícios para montar uma barraca e se instalar indefinidamente em algumas vielas. Foi em uma noite chuvosa que encontrou Diaval.


O cheiro de chuva se instalava em suas narinas. A caixa de papelão que montara não protegia contra a água que caía do céu, então a posicionou debaixo de uma estrutura que o deixava seguro do clima. Com muito frio, resolveu deitar. Estava montando um plano para sair daquela cidade, porque já não aguentava conviver com o medo de ser apanhado.

Após ficar um breve tempo deitado, enfim, Dois percebeu que havia uma criatura que nunca vira na vida sobre sua caixa de papelão. Era algum tipo de ave negra, bem pequena, do tamanho de um pombo, mas com bico bem afiado. Ele o olhou. — Xô! — Gritou. E expulsou a ave dali.

Ela voou - mas voltou segundos depois, pousando no exato mesmo ponto de antes. Algo no olhar da ave deixou Dois com pena. Ou talvez fosse apenas sua imaginação; mas teve a impressão de que a pequena criatura tinha fome. Foi uma ótima decisão ceder os restos de um pão velho para o corvo, que logo após isso alçou vôo. Dois achou que não o veria novamente, então simplesmente dormiu.


Chamou o corvo de Diaval. Inventava nomes para qualquer coisa, porque na época não tinha acesso aos conhecimentos mais simples. Chamou de Diaval, note, a espécie, não o corvo em si - mas após aprender que era um corvo, decidiu dizer que o chamava assim porque era o nome dele.

Enfim, nos dias seguintes àquela noite, o corvo "grudou" em Dois como se fosse um chiclete. Para onde ia, às vezes, tinha a impressão de que a ave o seguia nos céus, vez ou outra vendo-o pousar próximo de si para pedir comida ou pegando migalhas das ruas. Como Dois passava a maior parte do tempo roubando algo ou alguém, não dava atenção à Diaval, mas isso mudou quando tornou-se quase corriqueiro o jovem alimentar o corvo e vê-lo partir.

Certa vez, o corvo não foi embora. Dois resolveu conversar com ele. Como um animal de estimação, de fato - e contou seus segredos e seu passado, acreditando veemente que o animal o compreendia. Estava ficando amigo de um corvo, mas não se importava. Foi a melhor ave que já teve, o amigo mais fiel de todos.


O último dia em que viu Diaval foi o dia mais difícil de sua estadia em Volantis. Dois, que estava planejando partir para Qarth, havia arranjado encrenca ao roubar um mercador que andava por aí armado (o que por si só não era raro). O homem estava perseguindo-o, então Dois precisava urgentemente sair daquela cidade ou parar de frequentar o mercado, sendo a segunda uma opção suicida - precisava roubar de lá para sobreviver.

Passou-se quase um ano desde o dia em que conheceu o corvo, e todos os dias conversou com ele. Mas quase não viu-o naquela tarde em especial, o que era preocupante visto que sabia que ele o seguia para todo canto. Enfim, no dia seguinte, ao saber que um navio estava partindo para Qarth, Dois se apressou e correu para se esconder no barco antes que zarpassem.

Ao chegar no porto, foi visto.

Só percebeu quando viu três brutamontes correndo em sua direção. Expressões de raiva e cutelos em punho. Dois acreditou que ia morrer se continuasse ali. Mas também sabia que era uma ocasião rara ver um barco saindo de Volantis e indo para Qarth. Precisava ir.

Resolveu correr em direção ao navio.

Dois não percebeu quando o corvo, com uma inteligência que surpreenderia qualquer estudioso comum, apareceu numa rasante e atingiu os olhos de um homem com as garras como se soubesse que a vida de seu amigo estivesse em perigo. Dois acabou chegando no navio com uma rapidez moderada, mas quem o salvou de fato foi Diaval - os mercadores, sem saber o que diabos estava acontecendo, simplesmente perderam o jovem de vista sem saber a direção para onde ele foi.

Dois viu Diaval voando alegremente pelo céu ao zarpar. Mas dessa única vez, o corvo não o acompanhou.

Spoiler: