[RP Fechada + 18] All I want is to forget

O clima de Terras Fluviais não era de todo ruim, o tempo chuvoso era bom e aconchegante, quando se estava em um castelo, confortavelmente aquecida por uma lareira. A situação naquele momento era extremamente o oposto. A chuva que caia não era forte, mas o céu era cinzento e decadente, odiava dias assim. Dentro da confortável carruagem a menina viajava sozinha, as almofadas vermelhas estavam espalhadas por todo lugar, havia uma manta nas mãos de sua dama de companhia caso sentisse um pouco mais de frio, seus olhos observavam a paisagem que tinha um tom horripilante, talvez pelo decrepito castelo que havia ao fundo.   Estava ali cumprindo um mero capricho de seu pai, havia passado quase um mês naquele lugar e não via a hora de finalmente voltar para casa, ver o firmamento celeste a perder de vista, sentir a gostosa brisa que vinha do porto. Mas o que mais fazia a garota querer chegar em casa, era poder ver seu irmão. Sua mente divagava entre lembranças e em planos para quando o revesse. Tinha a plena certeza que assim como ela, ele estava com o peito apertado de saudade.  

Definir a relação entre os gêmeos Grafton era um pouco complexa, nem mesmo Ryel saberia dizer quando o sentimento pelo irmão tomou aquela forma, aquela proporção. Ainda se lembrava da primeira noite que ele entrou no seu quarto a noite, pediu todo melindroso para se deitar com ela, não podia resistir a aquela voz arrastada do gêmeo. No começo ela hesitou, pensou que era errado, mas o toque do irmão lhe causava um êxtase como nada antes sentido, naquela noite ela soube que não poderia pertencer a nenhum outro homem que não fosse ele. Ryella balançou a cabeça levemente, espantando os pensamentos. Seu corpo se aquecia apenas em se lembrar de como era bom o gosto da boca do irmão: — Está tudo bem milady? — perguntou a jovem loira. A Grafton revirou os olhos e sorriu de forma polida para menina, muito mais por educação do que por qualquer outra coisa: — Está sim minha querida. Apenas me distrai em meus pensamentos. — Não tinha o intuito de prolongar o assunto. Não via a hora e chegar em casa e o trote dos cavalos impediam que ela dormisse para que a viagem passasse mais rápido.  

Boa parte do trajeto havia sido tranquilo, mas a chuva começava a se tornar um pouco mais intensa, havia uma pequena comitiva com a jovem, seu pai não gostava que ela viajasse sozinha, mas na ocasião se fez necessário. Ainda havia alguns dias de caminhada pela frente, mas desejava passar logo as montanhas e adentrar no Vale, já se sentiria mais em casa dessa forma. Um enfadonho suspiro escapou por seus lábios, Ryel ajeitou o decote do vestido vermelho, os laços começavam a incomodar, não sabia por que raios  tinha que viajar com uma roupa tão apertada. Podia ouvir o burburinho das conversas entre os cavaleiros que a conduziam, a velocidade havia diminuído, o que com certeza atrasaria sua chegada em casa. Praguejou mentalmente umas mil vezes, aquilo não parecia ter fim, o cansaço já tomava seu corpo e fazia com que seus ossos doessem, esperava que pelo menos o tempo fosse suficiente para chegar na próxima vila antes do anoitecer, com sorte poderia dormir em uma cama e não dentro da carruagem mais uma vez.

A carruagem abruptamente parou, Ryella quase caiu de onde estava, mas mesmo assim bateu a perna contra a porta, o que lhe renderia algum roxo posteriormente: — Ora pelos Sete! Que raios está acontecendo? — Indagou em um mau humor palpável. A jovem dama de companhia olhou pela pequena janela e ficou pálida ou ver o que acontecia do lado de fora: — Milady. Pelos Sete! — Foi tudo o que a jovem menina conseguiu falar, estava pálida como um cadáver. A morena então observou cautelosamente e então viu os homens de tochas nas mãos, montados em cavalos cercando sua comitiva. Ela se afundou no estofado acolchoado, seu corpo todo estremeceu, não podia imaginar o que aqueles homens poderiam querer. E se eles as machucasse? Ou ainda pior, violentasse? Um arrepio percorreu toda a pele da jovem, seus lábios ficaram ressequidos e desejou tanto que seu irmão estivesse ali para protegê-la. Seus olhos arderam em lágrimas, queria estar em casa, perto de sua mãe e seu pai, não queria acabar morta ou violentada por um bando de bárbaros imundos. Ela segurou a saia de seu vestido com força, apertando-a entre os dedos e quando o tilintar começou do lado, tudo que fez foi fechar os olhos na tentativa de ignorar o que acontecia.  

Estava apavorada e totalmente aterrorizada, essa era a verdade, queria fugir e gritar, mas não conseguia se quer se mover. Do lado de fora, alguma coisa muito grave acontecia, os homens gritavam como loucos, muitas vezes estavam tão próximos da carruagem que ela tinha a sensação de que entrariam a qualquer momento. Não era uma jovem de fé forte, mas suas mãos se uniram em uma prece para a Donzela para que essa a protegesse. O segundos pareciam passar de forma arrastada, aquilo parecia nunca ter fim, mas quando a porta finalmente se abriu o pânico da menina foi ainda maior. Ela se agarrou a outra como se procurasse proteção, algo inútil era obvio: — Olha o que temos aqui!— Exclamou o homem com sua  voz rouca. Sem nenhum tato segurou ambas as garotas pelos braços as puxando para fora. Queria se soltar e se debateu enquanto pôde, foi inútil, mas demonstrou resistência: — Se querem dinheiro peguem logo e sumam! — Esbravejou a lady. O homem riu e segurou seu queixo com força apertando- o como se fosse quebra-lo. Ele sorriu maliciosamente: — Muito perfumada mocinha, muito mesmo. Gosto desse cheiro. — Disse ele com um tom cheio de ironia. Ryella sentia asco e seu estômago parecia revirar. Ele olhou para as duas garotas e sorriu: — Essa dai vocês podem se divertir. — Disse apontado para a jovem que acompanhava a Grafton: — Essa aqui eu vou me divertir com ela. — Foi direto e incisivo em suas palavras.  Não sabia o que fazer naquela situação e por mais que quisesse as palavras lhe faltavam e as lágrimas tomaram seu rosto, tudo que conseguia era gritar por socorro enquanto o homem a arrastava. Seria esse seu fim? Ryella pensava que sim, ou esperava que um milagre acontecesse para tira-la de tal situação.    

O pavor que tomava a jovem Ryel era palpável, suas pupilas dilatadas, a respiração ofegante e cansada, tudo expunham o que a frágil lady sentia naquele momento. A sensação de impotência diante de alguém poderia facilmente poderia subjuga-la - e o fazia sem hesitar - tornava a situação ainda mais frustrante para a jovem. Seus pés estavam plantados no solo, sentia os pequenos pedregulhos deslizarem por debaixo das solas de se seus sapatos enquanto buscava uma maneira de tentar se desvencilhar. Opressor o homem buscava intimida-la, a agressão psicológica lhe chicoteava a alma, mas precisava ser forte, precisava acreditar que tudo daria certo. "— Tudo acabará assim?—" Se perguntava mentalmente menina, buscando uma saída, ou até mesmo alicerce em sua fé. Por um momento refugiou-se em sua mente, seu coração bateu descompassado enquanto suplicava por uma solução, algo que a libertasse daquele pesadelo envolto em trevas e que se tornava tão real. O dedo do homem deslizou sobre sua bochecha ruborizada, a sensação de asco  fora imensurável, obrigando-a abrir os olhos e encarar seu agressor mais uma vez: — Seu maldito! — Insultou o homem, talvez um instinto de defesa ou alguma coisa que ela não saberia dizer com exatidão do que se tratava.  

Entretanto o homem apenas encarou seus olhos cianos, era a primeira vez que sentia seu corpo arrepiar de medo, o frio percorreu sua espinha e seu corpo parecia desfalecer, seus lábios estavam ressequidos e sentiu o homem apertar ainda mais seu maxilar. Seu cenho se franziu formando um sulco profundo, aquele de fato parecia o fim para a Grafton, seus homens não seriam capaz de salva-la, a desvantagem numérica era visível e os gritos de Lorien misturados com o tilintar das armas lhe afogavam cada vez mais em desesperanças. Estava no meio do nada, com um bando gigantesco de bárbaros massacrando os homens que ferozmente tentavam combate-los, não havia muito que ela pudesse se apegar, um só fio de esperança para se agarrar. Ela respirou fundo, buscando encher seus pulmões com o máximo de ar que podia, se aquele homem ia violenta-la, ele veria que ela não era uma qualquer. Trincou os dentes e tentou levar sua mente para longe dali, não lhe daria uma só lágrima ou um só grito de pavor, se ele buscava aterroriza-la, seria a vítima mais frustrante para ele.  

Seu corpo estava rígido, esperava pelo momento em que o homem arrancasse suas finas vestes, despindo assim de uma vez por todas seu corpo, pelo menos, preferia pensar que estava preparada para esse momento tão fatídico de sua vida. Mas ao contrário do que supunha, Ryella fora surpreendida por um grande desequilíbrio, cambaleou alguns passos para trás procurando se restabelecer e o som oco chamou sua atenção. Seus olhos se arregalaram quando viram parte do braço do homem no chão, estava atônita e somente quando ouviu o galope do cavalo próximo novamente ela ousou olhar para frente. O que havia sido um homem tombava ao chão, abatido com tamanha facilidade que ela se quer conseguiu acompanhar a cena. Estaria tendo uma alucinação? O homem caído a sua frente bem mostrava que não, seus olhos então encontraram seu salvador, a armadura alva reluzente como se fosse o próprio sol a engolir a escuridão. Um homem como ela nunca havia visto em sua vida, apenas ouvido em histórias quando era uma menina, sua elegância ao batalhar, a imponência que ele transmitia, tudo aquilo deixava a garota ao mesmo tempo maravilhada e perplexa, um misto de sensações que ela não conseguia se conter e sentia-se perdida meio a aquela batalha.  

De onde haviam surgido aqueles homens? Quem era o cavaleiro de armadura reluzente? Aquele manto lhe era familiar, já havia visto em algum lugar, mas onde?  Quando o segundo cadáver caiu no chão, a morena libertou-se do transe em que se encontrava A jovem correu, um tanto desajeitada, mas tentou pelo menos, buscou o encontro com sua dama de companhia que estava tão aterrorizada quanto ela. O abraço fora reconfortante, um suspiro longo e aliviado surgiu de seus lábios, apertou a jovem loira entre seus braços, estava feliz por nada de ruim ter acontecido a ela. Ao soltar-se dos braços da jovem, a dúvida finalmente havia sido findada. Agora sem o manto e o elmo que lhe escondiam o rosto ficava mais fácil de reconhecê-lo, ouviu quando um de seus cavaleiros gritou pelo nome do nobre e Ryella virou seu rosto na direção do soldado, mas logo voltou ao seu foco primário: — Julian Hightower... — Balbuciou estarrecida e dando um passo a frente. O homem que lhe salvara era Sor Julian Higtower? Já havia escutado o nome do homem várias vezes, principalmente nos últimos tempos, quando ouvia as conversas de seu pai e seu irmão atrás da porta. Seus joelhos estremeceram, mas ela evitou demonstrar sua surpresa com aquela revelação, mas era algo difícil de se fazer.  

Foi inevitável o encontro de seus olhares, talvez para ele tenha sido algo banal, mas para a jovem Grafton fora impactante, aquele par de olhos azuis como um oceano sem fim, um lugar onde ela se perderia por vontade própria. Havia perfeição nos traços másculos de seu rosto, como se esculpidos por um mero capricho dos deuses. A admiração tomou suas feições e sentiu as maçãs do rosto ruborizarem de imediato. Sentiu-se uma tola por estar tão impressionada, mas a beleza daquele homem a encantou de uma forma diferente, seu olhar desviou-se para o chão que ainda estava banhado de sangue, precisava evitar seu olhar, ou poderia se perder uma vez mais ali e não desejava que o homem pensasse que ela era uma jovem leviana. Encolheu-se no ombro de Lorien, buscando amparo, ainda que soubesse que não encontraria nenhum nela, estava tão abalada quanto ela mesma. Pelo menos poderia respirar aliviada, aquele inferno finalmente havia terminado. Seus pensamentos fizeram sua cabeça girar e se perder, mas o timbre forte do cavaleiro veio a despertar novamente. A gentileza que ele  demonstrava era a de um real cavaleiro e aquilo fez com que ela o admirasse profundamente: — Não há o que desculpar-se Milorde. Eu que devo agradecê-lo por salvar minha vida. — Ela deu um passo a frente, seus joelhos se flexionaram em uma leve reverência: — Minha família terá uma eterno débito com vossa pessoa. Meu pai saberá o que fez por mim e será igualmente grato. — Falou com a voz o mais firme que pôde mais ainda um pouco abalada.  

Poderiam finalmente seguir viagem, agora com mais segurança, o cavaleiro havia lhe oferecido os homens para que fizesse sua escolta. A jovem olhou o movimento dos homens e seus olhos se direcionaram a carruagem, os momentos de pavor lhe tomaram o pensamento novamente. Tinha que admitir, ainda estava apavorada, virou-se para o cavaleiro e fitou seus olhos com profunda angustia, uma angustia real de quem havia passado momentos de terror naquele começo de noite: — Por favor Milorde. — Seu tom de voz era praticamente uma suplica: — Sei que posso estar abusando de sua benevolência, mas não me interprete de forma errônea. — Sua voz se tornava afoita e  vacilava: — Guie a mim e meus homens até um pouso seguro, um lugar onde possamos ter um pouco de descanso. Meu corpo debilitado não suportaria seguir viagem noite a dentro. — Pediu humildemente a garota observando a figura do homem a sua frente: — Além do mais, vejo que há um ferimento que precisa ser tratado. Posso ajudar com isso, uma forma de agradecer o que fez por mim. — Sugeriu a morena, ainda buscando manter o contato visual. Não tinha certeza se ele aceitaria, mas pedia com fervor aos Deuses que sim.    

Temeu que suas palavras se perdessem ao vento em um primeiro momento, havia exposto sua fraqueza e fragilidade, sua voz a traíra expondo o peito angustiado e tomado pelo medo após o acontecido. Aquela figura imponente e nobre lhe transmitia segurança, um cavaleiro como ele, ainda que com os problemas decorrentes, deveria ter preocupações muito maiores do que o temor de uma jovem mimada como ela. A presença dele era como uma fortaleza, ao mesmo tempo apaziguava seu amedrontado coração, era quase como estar na presença de Ryger, embora, fosse uma sensação completamente diferente. As mãos se unirão sobre a saia de seu vestido, seu corpo estava trêmulo por dentro, um misto de vergonha e raiva apossou-se de sua mente e pensou o quão patético era seu papel. A ausência do olhar dele a perturbou tremendamente, como se uma vez mais estivesse exposta a qualquer mal que quisesse se apossar dela, mas talvez teria que conviver com essa verdade. A serenidade com que suas palavras eram proferidas em nada condiziam com o cavaleiro que lhe salvara a momentos atrás, como poderia haver um homem assim? A voz dele tomou seus sentidos, sua mente, um timbre másculo e ao mesmo tempo suave, plácido.

"— Ele não vai ficar.—" o pensamento ecoou em sua mente, enquanto o cavaleiro permanecia de costas. Um suspiro entristecido chegou a escapar de seus lábios, seu olhar observou seus homens juntos aos dele e de fato, a presença dele não seria necessária, mas nenhum deles era capaz de lhe passar a proteção que o cavaleiro lhe transmita. Eram seus títulos e feitos que o enalteciam? Um pouco sim, mas fora ele quem a salvou, seus olhos testemunharam sua bravura e sua habilidade, ele era o cavaleiro que a protegeu. As ordens vinham com extrema exatidão, cada palavra dita com a certeza de um verdadeiro comandante e sem que ao menos percebesse, Ryella sorriu quando finalmente notou que ele estaria ali, ao seu lado, pelo menos naquela noite, que havia começado tão sombria para ela. Seus ombros relaxaram, um grande peso havia saído de suas costas, ainda que naquele sombrio lugar, tinha a absoluta certeza que não havia nada a temer, seu cavaleiro de armadura reluzente estaria lá para protegê-la.

Os soldados de sua casa eram homens bem treinados e obedeciam prontamente cada ordem dada, mas Ryella permaneceu ali parada, apenas observando-o, até mesmo admirando-o. Era a primeira vez que via um cavaleiro daquele nível e por mais que tentasse negar, sua beleza, sua postura, tudo nele capturavam os sentidos da Grafton, a imergindo em pensamentos que jamais havia tido. Quando ele novamente voltou-se a ela, seu olhar mergulhou no dele, de uma maneira perigosa, uma maneira que ela poderia se perder e se achar naquela imensidão azul facilmente. O suave sorriso em seus lábios o deixava ainda mais belo, ainda mais sedutor, estava confusa em seus pensamentos. Ele havia acabado de salva-la, estava impressionada e isso fazia com que ela o colocasse em um pedestal, ou talvez fosse apenas mentiras em que deveria acreditar para que não o visse com outros olhos. Seu olhar fitou o chão, envergonhada por seus pensamentos, envergonhada por ter demonstrado fraqueza, uma boa lady não deveria ter medo e ela se via como uma tola criança.

Gentilmente sentiu o toque contra sua pele, mãos que empunhavam uma espada para matar e ao mesmo tempo conseguiam ser tão acolhedoras, Ryella elevou seu olhar ao dele, ainda receosa em se perder. A voz dele ecoava serena, mas ao mesmo tempo vibrava por toda sua pele, cada palavra dita tinha uma sonoridade única e seu nome nunca teve uma pronuncia tão boa de se ouvir, com facilidade o cavaleiro arrancou um doce sorriso dos lábios da jovem lady e por uma ínfima fração de tempo, era como se nada de ruim, nem um mal, tivesse alcançado ela: — Suas palavras são repletas de gentileza. Julian. — Agradeceu com doçura em sua voz: — Meu salvador não precisa se prender a títulos e protocolos. Por favor, chame-me simplesmente de Ryella. — Pela primeira vez não havia nada mais do que pura e simples gratidão em sua voz: — Tenha o tempo que precisar. Aguardarei pelo seu retorno, nobre cavaleiro. — Concluiu sorridente e com as bochechas tomadas pelo rubor. A donzela deu um passo para trás e fez uma pequena e graciosa reverência ao cavaleiro, não se importava com o que já tinha ouvido, um homem como aquele não podia e jamais seria um criminoso e depois daquela noite, ninguém seria capaz de lhe convencer do contrário.

Contentou-se em observa-lo desaparecer na escuridão, com os braços cruzados seu olhar se perdia a medida que ele se separava do grupo: — Milady. Está tudo bem? — A voz preocupada de sua dama de companhia a trazia de volta de seus pensamentos perdidos. Seus cabelos bailaram no ar a medida que a donzela balançou a cabeça na tentativa de espantar tais pensamentos: — Está tudo bem agora. Estamos bem. — Disse com a voz distante e pensativa. A menina lhe fitou a face com curiosidade, mas Ryella simplesmente ignorou. Virou-se tomando a direção da carruagem, passos lentos e incertos, como se seu corpo não tivesse que tomar aquela direção. Um suspiro sôfrego saiu por sua boca, seu olhar ainda percorreu aquele lugar uma vez mais, homens ainda machucados, mas em sua maioria estavam todos bem. Todavia, sua mente em nenhum momento se desligava de Julian, a voz dele ecoava repetidamente em seus pensamentos. Já não sentia mais a ausência de Ryger quando estava próximo a ele, mas odiou-se por sentir-se assim: — Ajude os homens feridos, você é boa com essas coisas. Preciso de um momento sozinha. — Ordenou a Grafton, enquanto cessava seus passos.

Tinha duas escolhas e precisava escolher qual caminho a seguir, o mais sensato e seguro seria rumar para sua carruagem, mas Ryella Grafton sempre escolhia o caminho tortuoso e incerto. Segurou a pesada saia de seu vestido e caminhou com passos rápidos na mesma direção que o cavaleiro havia tomado. Qual a razão para segui-lo? Não teria essa resposta, talvez fosse isso que buscava, afinal, nenhum homem havia sido capaz de tomar sua atenção de tal maneira. Desceu com cuidado, não desejava se machucar e tão pouco cair por ali em uma cena cômica e delatado seu ato. Com um vestido daquele não era fácil de caminhar, mas agradeceu por ser leve e poder caminhar um pouco mais furtiva. Não foi uma caminhada longa, seus olhos foram logo encantados pela vista do belo lago, plácido e negro, um espelho para a lua, que mesmo em noite de tempestade, estava majestosa em meio ao firmamento negro. Mais adiante, finalmente encontrou quem procurava, sentando próximo a água. Já não trajava mais a bela armadura reluzente, mas expunha algo ainda belo, sua mortalidade.

Pensou por segundos se deveria avançar ou não, mas antes que qualquer resposta racional lhe viesse à mente, seus pés deram o primeiro passo e logo após o segundo. Ele era o melhor dos cavaleiros, sua presença foi notada com facilidade. Sentia o ardor de suas bochechas, como ele conseguia isso? Era algo que se perguntava: — Sei que, me pediu para permanecer na carruagem. Mas... Eu precisava me afastar daquele lugar um pouco. — Justificou antes mesmo que ele lhe dissesse algo. Ao se aproximar de Julian, não pôde ignorar o ferimento, precisava de cuidados, mas, tinha a nítida sensação que ele relutaria em aceitar qualquer tipo de ajuda. Ignorando qualquer coisa que ele viesse a falar, a morena ajoelhou-se ao seu lado, seu olhar buscou o dele e desejou que o silêncio apenas continuasse. Sua mão esquerda pairou sobre o ferimento, mas não o tocou, depois com suavidade repousou a mão um pouco abaixo: — Isso deve incomodar. — Comentou quebrando o silêncio por ela imposto. Sua mão direita foi até a dele e buscou o tecido molhado, seu olhar se desviou para o ferimento e cuidadosa deslizava o tecido sobre a pele, terminando de limpar as pequenas manchas de sangue.

Desejava ignorar, mas naquele momento e naquela circunstância, era impossível, a beleza daquele homem lhe tentava, deixava sua respiração mais acelerada e naquele ponto, já não podia mais encara-lo. A mão esquerda deslizou sentindo o calor que ele lhe proporcionava e encontrando amparo no braço de músculos torneados e fortes. O observou, acompanhou cada linha de seu corpo exposto, o peitoral perfeito e largo que lhe convidava a deslizar seus lábios por ali. Não podia negar, desejava sentir o corpo dele contra o seu, os braços fortes lhe envolvendo, a boca dele descobrindo a sua. O desejava e diante de tal fato era inevitável que ela tentaria tê-lo, mas pela primeira vez, temeu que não conseguisse o que almejava: — Se desejar, posso tratar a ferida. Aprendi ainda nova tais cuidados. — Seu olhar revezava entre a boca e os olhos dele. Sentou-se sobre os próprios calcanhares e o encarou, mas dessa vez de uma maneira intensa, buscando muito mais que aquele mar azul, buscava que ele sentisse suas palavras: — Mas... Só se desejar. Julian. — O nome havia saído um pouco mais malicioso do que desejava, mas não se importava, em um tudo ou nada, tinha que apostar com todas as armas que tinha.
 

O esmero com que a jovem fidalga realizava a tarefa era no mínimo louvável, um gesto que para muitos poderia ser altruísta ou uma forma de agradecer ao cavaleiro por ter salvo sua vida. Todavia, se tratava de uma jovem cujos desejos floresciam a pele e a simples presença dele diante de si, lhe instigava aos mais profanos devaneios. Havia sim, ainda que tímido, um belo sorriso nos lábios da morena, algo que se misturava entre o casto e impudico, algo que talvez, somente o homem a sua frente fosse capaz de ler e ela desejava em seu íntimo, que ele pudesse ver muito mais além. Enquanto sua mão deslizava suave, procurando limpar as manchas rubras sobre a pele do outro, seus olhos buscavam aquele profundo oceano de cor azul que eram seus olhos, um infinito em que ela se perdia a cada momento que o encarava. O fascínio por ele era evidente, palpável, mas o desejo que ele despertava em seu ser, era como uma onda furiosa, fazendo cada parte do corpo de Ryella regozijar com a aproximação.

Ele, entretanto, mostrava-se inabalável, alheio a qualquer sentimento que se expressavam em seu olhar, haveria sim a possibilidade de ser apenas uma máscara, mas e se não fosse? E se ela realmente não lhe despertasse nenhum sentimento, nenhuma atração. Poderia um homem resistir aos encantos de uma jovem dama afoita por saciar seus desejo? Julain Hightower, não era um homem como os outros, não era leviano, ainda que sobre seus ombros caíssem pesadas acusações, sua conduta permanecia ilibada, pelo menos, até aquele momento. Seus pensamentos se perderam inúmeras vezes enquanto o silêncio e a troca de olhares falavam por si só, um diálogo que somente seus desejos poderia compreender. Seus dedos sentiam o calor de sua pele, acolhedor, convidativo... Procurava ao máximo não parecer leviana, entretanto algumas vezes sentia perder o controle de si mesma e nesses breves momentos, seu olhar delatava todos os seus pecados. Mas o que era Ryella Grafton, se não uma forma encarnada do próprio pecado? Capaz de tentar e envolver o próprio irmão gêmeo. Olhou-o mais uma vez, o sorriso singelo de lábios colados tornou ainda mais evidente o que se passava em sua mente, mas no fim, era isso que ela desejava.

Com suavidade a mão dela era envolvida pela do cavaleiro, um toque gentil e provocante, que fizera ela erguer o olhar de imediato, o tempo tomava um ritmo diferente, prolongando aquela sensação que fez todo seu corpo arrepiar, aquecer-se de desejo. O peito desnudado contra sua mão, apenas tornavam seus desejos mais impulsivos e aquele namoro entre seus olhares se tornava mais perigoso, não para ela, mas para ele. Todos seus sentidos estavam voltados para ele, sentia o toque de sua pele, o cheiro que vinha de seu corpo, seus olhos se encontravam com os dele e seus ouvidos escutavam apenas a sua voz. Apenas um homem era capaz de deixa-la daquela maneira, no entanto, seu salvador era capaz de fazê-la sentir as mesmas coisas, o mesmo desejo, a mesma luxuria. Pensou estar enlouquecendo, seus olhos semicerraram e pela primeira vez arquejou sutilmente. Sua mão não queria abandonar o corpo dele, a esquerda, involuntariamente apertou o braço do moreno, em uma suplica para que ele não se afastasse. A distância já não era mais tanta, porém o suficiente para que Ryell se sentisse desafiada pelo controle que Julian tinha daquela situação. Talvez por respeito ao que ele era e representava, a Grafton havia se contido, mas seu alto controle não era algo que se orgulhava.

Tão próximos e ao mesmo tempo tão distantes, a morena relutava em abrir os olhos novamente enquanto o ouvia, seu peito subia e descia denunciando a respiração acelerada, havia tomado um caminho perigoso e então se perguntou se poderia voltar atrás. Se não era tarde para voltar para a segurança de sua carruagem. Ryger tomou sua mente, seu irmão que amava e havia jurado amar somente a ele. Imaginava como o gêmeo deveria estar apreensivo, preocupado, a essa altura já estaria deixando todos loucos com suas paranoias e preocupações. Naquele ínfimo momento ela poderia ter voltado atrás, mas como uma conspiração do destino, naquele mesmo exato momento, sentiu os lábios cálidos tocarem sua pele, a maciez daquela boca que cobiçava mentalmente desde que havia chegado ali. Um suspiro longo escapou de seus lábios e seus olhos se revelaram, reluzentes como safira, perdeu algum tempo o observando, buscava decifrar aquele homem enigmático, buscava as profundezas de seu olhar. Ele era algo que desafiava a jovem, que alimentava seu desejo como a lenha alimenta o fogo e foi então que teve certeza. Não podia mais resistir a ele.

Cuidadosa, desvencilhou sua mão, impetuosa, levou a ponta de seus dedos aos lábios convidativos do homem, deslizando-os sobre seus contornos. Ela não precisava de palavras para se expressar, precisava de gestos e olhares, precisava mostrar a ele, que tudo que havia dito estava errado. Não era como pagamento, mas sim, pelo puro desejo, pela pura vontade de se perder em seus braços e em seu corpo. Sua cabeça inclinou um pouco, mas não se distanciou, ainda não era o momento. Deslizou a mão lentamente pelo queixo e depois pelos contornos da face, amparado-o de maneira acolhedora, o polegar deslizou preguiçoso, em uma carícia terna: — Talvez eu acredite que seja presunçoso, Julian. — Sussurrou em um tom apenas para que ambos escutassem. A mão que estava ao braço resvalou uma vez mais pela pele, subindo e alcançando os ombros onde finalmente encontrou apoio: — Mas há a possibilidade que eu seja mais, muito mais presunçosa que você. — Ela suspirou ao final da frase. Fora então sua vez de aproximar o rosto, fazendo a distância se tornar quase inexistente: — Não pretendo recompensa-lo dessa forma pelo que fez. Talvez eu queira apenas errar, me deleitar em meu doce erro. — Murmurou com seus lábios quase encostando aos dele.

Ele podia ser quem fosse, mas era homem e Ryella sabia ver em seus olhares quando eles a desejavam. Até então não havia visto nada em seu olhar, não até se aproximar daquela maneira e então ela soube que teria pelo menos uma ínfima chance. Daquele momento em diante, já não podia mais se preocupar com o pudor de suas atitudes ou palavras, tinha uma chance e não deixaria que ela passasse: — Não vejo nada de insano nas minhas pretensões Julian. — As palavras eram carregadas de certeza. Deixou que ambas as mãos descobrissem o corpo do cavaleiro, seu corpo como um todo regozijava com aquele contato tão próximo. A proximidade a enlouquecia, ainda mais quando sentia a respiração dele em sua pele, não tão rápida quanto a sua, mas ainda assim, alterada. Ela silenciou-se, seu olhar por si só, diria o quanto o queria e o quanto aquele desejo era verdadeiro e não os devaneios de uma nobre carente. Seus lábios ressequidos estavam entreabertos, à espera do beijo que insistiam em não acontecer, mas ela esperaria por ele o quanto fosse preciso.

Recolheu as mãos ao próprio corpo, ainda que sua vontade fosse de explorar cada parte do moreno, contudo, era necessário. Não era ela quem escolheria, seria ele, mas não tornaria aquela uma tarefa fácil. Suas mãos subiram pelo próprio corpo, exaltando cada curva, desde a cintura, até seus seios, vagarosas, ambas as mãos se encontraram na parte de trás do vestido. Com paciência, puxou os laços os desfazendo, afrouxando a veste que cobria seu corpo, deixando-a a um passo de ser arrancada: — Se desejar, eu irie embora. Basta que me ordene. Irei sem olhar para trás, me trancarei naquela carruagem e não terá que encarar meu olhar nunca mais, nem mesmo para uma despedida. — Pausou a fala, buscando respostas em seu olhar. A aposta era arriscada, mas era essa sensação que Ryella gostava: — Todavia, pode me pedir para ficar. E caso eu fique, tenha toda a certeza, que não irei me arrepender pela manhã. E nem você. — Sussurrou lasciva e languida, buscando envolve-lo com sua voz. Gostaria de toca-lo, mas suas mãos estavam ocupadas pelo vestido negro que escorregava por seu ombro. A decisão e o desfecho daquela noite, estavam todos na mão do cavaleiro.

Habilidade Treinada: